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As lives na pandemia: louváveis e polêmicas

As transmissões ao vivo de artistas do meio musical viraram febre no Brasil: já estão na programação semanal de muitos deles e de seus públicos e também nas agendas culturais. Alguns passaram a apostar em verdadeiros shows, atraindo patrocínios, arrecadando doações em massa e até gerando polêmicas.

Bruno & Marrone em sua live no dia 9 de abril. Foto: reprodução / YouTube

Quando o assunto são as lives, já abordadas aqui no GrisLab, sem dúvida seu papel filantrópico tem sido um dos pontos de destaque. Normalmente de acesso gratuito no YouTube ou outras redes sociais, buscam não só oferecer lazer, mas também arrecadar doações para instituições de caridade, organizações sem fins lucrativos e a saúde pública. E os números são impressionantes. Apresentações como as de Sandy & Junior, Gusttavo Lima, Marília Mendonça e Jorge & Mateus — que estão entre as recordistas de audiência não só no Brasil, mas no mundo todo — já arrecadaram, cada uma, centenas a milhares de toneladas de alimentos, além de cifras que chegam a um milhão de reais. Em termos de publicidade, empresas chegam a pagar até meio milhão para associar sua marca às estrelas e seus eventos beneficentes.

Gusttavo Lima foi quem “inaugurou” esse formato que está sendo mais usado, com seu “Buteco em Casa”, em 28 de março, que durou cinco horas. No entanto, o cantor e aqueles que seguiram seu modelo de superprodução “à risca” receberam várias críticas por desrespeitar o isolamento social, aglomerando muitas pessoas nos bastidores, entre músicos de apoio, equipe de vídeo e até garçons. Foi o caso da primeira live de Jorge & Mateus, por exemplo, uma semana depois.

Alguns parecem ter entendido o recado; outros alegam que as medidas de higiene são reforçadas. Mas talvez ainda mais polêmica foi a bebedeira nas duas edições do “Buteco em Casa” e na primeira live de Bruno & Marrone, todas patrocinadas pela Ambev. Pequenas gafes, informalidade e proximidade com os fãs, que têm sido características das lives em geral, somaram-se a palavrões, arrotos e outros vexames dos cantores embriagados. Memes logo repercutiram nas redes sociais, em tom de brincadeira, mas também houve denúncias ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária por incentivo ao consumo excessivo de álcool. O Conar exigiu restrição de idade para o conteúdo das apresentações, advertiu a dupla e abriu representação ética contra o cantor e a empresa patrocinadora — absolvida em ambos os casos.

Indignado — e até mesmo defendido pelo Presidente da República — no Twitter, Gusttavo Lima postou que não fará lives “para ser censurado” e que engessadas e politicamente corretas não teriam graça. Já a Ambev afirmou estar reforçando as regras frente ao novo contexto de entretenimento virtual e que “a transmissão é propriedade do artista, muitas vezes realizada em sua casa, o que representa um desafio”.

De fato, a situação dá a ver a desafiadora relação entre público e privado e questões adjacentes sobre comunicação, figuras públicas e valores.

O consumo de álcool e outras drogas tende a aumentar no período de confinamento, como apontam estudos e a OMS. Alguns países até já impõem medidas de restrição à venda de bebidas, para além do fechamento de bares. Alcoolismo e abuso de álcool, vale lembrar, causam diversas doenças e afetam a saúde mental, além de estarem fortemente relacionados a acidentes de trânsito e à violência, sobretudo doméstica — que também aumentou nesse período.

Nesse sentido, o consumo de álcool em um ambiente a princípio tão privado ganha, sim, dimensão pública quando transmitido para milhões de pessoas. Moderação (no mínimo), passa do “politicamente correto” — que anda tão marcado ideologicamente — para uma questão de responsabilidade para com a saúde coletiva e pública tão importante quanto o isolamento social.

Samuel Silveira, apoio técnico do GrisLab, bacharel em Comunicação Social pela UFMG



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