Análise | Festividades e megaeventos

Carnaval é coisa séria

O carnaval de BH ressurgiu há alguns anos nas ruas da capital mineira. Em 2018, arrastou mais de 3 milhões de pessoas e teve centenas de blocos, sendo considerado o segundo melhor do país de acordo com pesquisa realizada pelo Google. Mas quem pensa que carnaval é só folia, se engana: a pauta social e política da festa é extensa e coloca na ordem do dia velhos problemas da nossa sociedade.

Blocos estendem faixa contra a atuação policial durante o Carnaval. Foto: Túlio Santos/EM/D.A Press.

Uma fenda no tempo quando tudo fica suspenso. Assim podemos definir o carnaval, um acontecimento que emerge na cidade arrebanhando milhares de pessoas com diversas cores e diferentes amores.

O Carnaval afeta a experiência das pessoas na cidade, mudando completamente a rotina. As ruas se transformam em calçadas por onde a alegria baila e contagia. O barulho não é mais dos motores e das buzinas. A música ecoa pelas esquinas. A cidade se colore e se fantasia intensamente.

As regras ficam suspensas, os combinados mudam, as relações se estabelecem sob outros parâmetros e a liberdade impera. Ficam suspensas a caretice, as convenções sociais, os hábitos puritanos. No Carnaval vale qualquer contrato. Um verdadeiro convite para experimentar a vida com outros contornos. Mas quem foi que disse que carnaval não é coisa séria?

A festa é repleta de aspectos sociais: construção e desconstrução. Uma pauta extensa, várias bandeiras e gritos lutando por um mundo melhor, com mais igualdade. Combate ao racismo, ao machismo, ao assédio, à violência, à discriminação e ao preconceito. Luta pela diversidade, pela igualdade de gênero, por direitos iguais, por respeito, por representatividade, por liberdade. Conquista de espaços nunca antes ocupados.

O Carnaval de BH acontece assim, dentro da gente, e carregado múltiplos significados. Neste ano, os blocos começaram em janeiro, e a festa se estendeu por algumas semanas depois da quarta-feira de cinzas. Mas nem tudo é festa no carnaval. E, em 2018, quando a folia toma uma proporção nunca antes imaginada na capital mineira, alguns pontos merecem nossa atenção: a truculência da polícia militar que atuou com violência desnecessária em algumas situações, e a campanha “Não é Não”, que pautou o combate ao assédio e ao machismo nas ruas.

Sobre a polícia, o acontecido nos remete a outros muitos episódios em que manifestações pacíficas foram reprimidas com violência nas ruas de BH. O carnaval da cidade renasce a partir de uma pauta política, de reivindicação de direito à ocupação dos espaços públicos e combate a posturas autoritárias da gestão municipal em 2010.

Já sobre a campanha de combate ao assédio, podemos nos orgulhar de dizer que muitas mulheres foram às ruas, com trajes de banho, se divertindo com o corpo à mostra e não se sentiram em risco ou desrespeitadas, como muitas relataram nas redes sociais.

E quem diz que o povo brasileiro se aliena em relação aos problemas do país indo festejar o carnaval, se engana! Ir pra rua, celebrar, cantar e impor a nossa liberdade diante de um país que vem perdendo sua democracia é sim um ato de resistência, um ato político.

Maíra Lobato
Mestra em Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do GrisLab



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