Análise | Gênero e sexualidade Movimentos sociais e ativismo

50 anos após Stonewall: esse orgulho é nosso?

Celebrações do Pride LGBT+ aconteceram em todo o mundo durante junho de 2019 e convocaram sujeitos de diferentes orientações afetivo-sexuais a demonstrarem publicamente sua existência na sociedade. Além deles, a participação de grandes empresas e corporações também foi pauta nas comemorações.

Foto: Bill Wilson/Do The Gay

Em 28 de junho de 1969, um acontecimento histórico ocorreu no bar nova-iorquino Stonewall Inn. O local, tradicionalmente frequentado por gays, lésbicas, travestis, transsexuais e drag queens, foi alvo de uma batida policial discriminatória, culminando nas revoltas que muitos consideram o estopim do movimento LGBT+.

Meio século após esse evento, ele continuou a reverberar. E foram essas reverberações que configuraram um novo acontecimento: as comemorações do levante de Stonewall, aliadas às já tradicionais Paradas LGBT+ ao redor do mundo – celebradas (em sua maioria) no mês de junho.  

Nova Iorque teve atividades durante os 30 dias do mês, e sua WorldPride NYC 2019 contou com shows de artistas como Madonna e Pabllo Vittar, e a participação de 5 milhões de pessoas, configurando o maior evento LGBT+ da história. A edição paulistana teve cerca de 3 milhões, a maior da América Latina; megaeventos também ocorreram em Amsterdã, Barcelona, Londres, São Francisco, e outras cidades ao redor do globo. Tais eventos contaram com grandes infraestruturas e apoio dos poderes públicos locais, além de movimentarem toda uma estrutura turística e financeira durante o período de seu acontecimento – após algum tempo, as pessoas perceberam que os LGBT+ são fonte de renda.

Uma peculiaridade deste ano foi a presença massiva de grandes corporações nas celebrações. Em São Paulo, Microsoft, Uber e Burger King foram os maiores patrocinadores: lançaram produtos exclusivos, declararam apoio ao movimento em seus canais oficiais e até contaram com trios elétricos na Parada. Nas redes sociais digitais, desde o início do mês de junho, diversas organizações e empresas alteraram seus ícones para a icônica bandeira do arco-íris – apenas para reverter as alterações em 1º de julho. Essas ações não passaram desapercebidas: em Nova Iorque, ativistas organizaram uma “parada alternativa”, sem patrocinadores, em boicote à apropriação comercial do movimento – o denominado pinkwashing

Esses fatores nos levam a perguntar: o “Orgulho LGBT+” ainda é um movimento de resistência ou já foi aglutinado pelo capitalismo? Essa é uma indagação sem uma resposta fácil, e se vincula a um cenário mais amplo da questão. Após um período de uma agenda quasi global progressista e pragmática, que vinha se traduzindo em reconhecimento, escuta e ações socio-políticas para os LGBT+, o mundo se vê num cenário onde a extrema-direita e valores conservadores veem assumindo destaque nas democracias ocidentais. Discursos LGBTfóbicos são proferidos por representantes políticos, e estes reverberam entre população e são replicados na mídia, sem qualquer forma de crítica ou escrutínio.

Neste cenário, as grandes proporções do Pride 2019 são, sim, uma vitória. Basta fazer um pequeno exercício de abstração e relembrar 5, 10, 20 anos atrás, quando as diversas pautas do movimento LGBT+ não tinham nenhum ou pouco alcance social e ou midiático, o que impactava diretamente na maneira de como esses sujeitos eram tratados na sociedade. Os resultados podem não ser ideais, assim como a militância também não o é, mas o progresso é inegável.

O papel da mercantilização do ativismo entra a partir daí. Discursos em prol das diversidades são extremamente relevantes neste momento, mas não podem ficar confinados apenas nesse domínio. É preciso que corporações e empresas extrapolem o ícone do arco-íris e promovam a transformação do discurso em ação prática; é necessário transmutar esses valores-protesto, que se tornaram facilmente comercializáveis, em mudanças estruturais. Afinal, gays, lésbicas, transgêneros e demais pessoas do amplo espectro LGBT+ ainda enfrentam preconceitos estruturais na vida social: violência, precariedade na saúde, falta de oportunidades no mercado, diferenças de renda, entre outros. O “apoio” precisa ir além do mês do orgulho e estar presente nos outros 335 dias do ano para que tais discursos sejam, de fato, válidos.

Numa época onde celebridades e artistas são policiados e “cancelados” pelo público a partir do menor (ou maior) deslize, e denúncias de interesse por pink money maculam a imagem pública de instituições e figuras públicas, não podemos falar de um “esvaziamento” ou “servilismo” deste movimento social. Apesar de entraves, pequenas vitórias são conquistas em todo o mundo, como a decisão do STF de criminalizar a homotransfobia e a histórica legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo em Taiwan. Essas são vitórias do(s) ativismo(s) LGBT+, que não sinalizam parar a qualquer momento. Afinal, esse orgulho é e tem que ser nosso.

*O título desta análise referencia a dissertação de mestrado “Esse boom é nosso? Discursos sobre transição capilar na publicidade de cosméticos”, de Mayra Bernardes Medeiros, integrante deste Grislab.

Pedro Paixão Rocha
Graduando em Jornalismo pela UFMG e bolsista de iniciação científica do Gris



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