Enquanto a polícia e o Estado não respondem quem matou Marielle, mais defensores dos direitos humanos têm suas vidas ameaçadas no Brasil.
278 dias. 39 semanas. 9 meses. Quem matou Marielle? Quem matou Anderson? Quem mandou matá-los? Essas perguntas permanecem sem resposta. Mesmo superando várias vezes o tempo de investigação de casos similares e apesar da pressão popular e midiática, o Estado não se mostra capaz (ou interessado?) em resolver esses crimes.
E tampouco se mostrou capaz de impedir novos assassinatos: mesmo com intervenção militar no Rio de Janeiro, dados mostraram que o número de mortes múltiplas subiu enquanto a apreensão de armas caiu. Nos primeiros 5 meses com soldados nas ruas, o estado teve mais de 4 mil tiroteios.
E por pouco não teve mais um de seus representantes assassinado: graças a uma denúncia anônima, um atentado contra a vida do deputado estadual Marcelo Freixo foi interceptado. Segundo a polícia, o mesmo grupo responsável pela morte de Marielle planejava matá-lo no último sábado, 15/12, enquanto ele participaria de um evento na zona Oeste do Rio.
No mesmo dia em que identificaram o plano do homicídio, uma operação policial fez buscas em várias cidades do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. As prisões e apreensões foram divulgadas como perseguições aos suspeitos na morte de Marielle e Anderson. No entanto, os mandatos foram feitos por inquéritos que transcorriam de forma paralela à principal investigação e os nomes dos alvos da operação não foram divulgados.
Segundo o Secretário de Segurança Pública do Rio, general Richard Nunes, a investigação acredita que milicianos começaram a planejar matar Marielle ainda em 2017. Os criminosos temiam atrapalhar os negócios ligados à grilagem de terras na zona oeste do Rio. Essa narrativa é utilizada para legitimar a eficácia da intervenção federal no estado, que, segundo o general, não impediu o assassinato da vereadora porque os preparos foram feitos antes da chegada dos militares.
Esta linha de investigação parte de um testemunho feito ainda em maio que apontava o vereador Marcello Siciliano (PHS) e o ex-PM e miliciano Orlando Oliveira de Araújo como mandantes do crime. Porém, o Ministério Público já considerou o depoimento inconsistente. Em setembro, Orlando afirmou que estava sendo coagido pela polícia para assumir o crime. Depois de sua casa e seu gabinete terem sido revistados pela polícia, Siciliano defendeu a federalização da investigação.
Os colegas de Marielle, como o próprio deputado Marcelo Freixo, também se mostraram céticos em relação à narrativa da polícia. Segundo eles, Marielle nunca foi muito atuante na regularização fundiária na área da milícia: dos 13 encontros com a comunidade marcados para discutir a questão, apenas 2 contaram com a presença de seus assessores. A última dessas reuniões aconteceu em Abril de 2017, quase um ano antes de sua execução. Apesar de não rejeitar a hipótese, Freixo cobrou que Nunes mostrasse provas que confirmassem sua versão.
Com uma performance insatisfatória, cabe ainda saber se ela é fruto de simples incompetência ou também de falta de vontade política. Como explica o próprio parlamentar, poucas ações políticas concretas foram feitas por parte do estado para combater as milícias. Segundo Freixo, “A milícia é um dos poucos grupos que transformam o domínio territorial em domínio eleitoral. Interessa muita gente para além da milícia. Por isso, talvez não seja tão enfrentada como deveria ser. Por isso dificilmente algum governador oferece um plano para enfrentar e reduzir seu poder”.
Talvez a melhor linha de investigação seria não só perguntar quem fez e quem mandou, mas também a quem interessa.
Caio Santos
comunicólogo e bolsista de apoio técnico do Gris