Ítalo tinha apenas 10 anos. Morreu em uma ação policial após roubar um carro em um condomínio de luxo de São Paulo. O que muitos se esquecem é que ele era apenas uma criança.
Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira tinha 10 anos. Gostava de futebol, empinar pipa e sonhava em ser cantor de funk. Morador da favela do Piolho, Zona Sul de São Paulo, o menino estava no 2º ano do ensino fundamental e dividia seu tempo entre as brincadeiras com os amigos, o trabalho de engraxate e também a realização de pequenos furtos.
No dia 02 de junho, Ítalo e um amigo de 11 anos se dirigiram à região de Vila Andrade, bairro rico de São Paulo, para roubar um condomínio. Passaram por vários andares, mas não roubaram nada. Ao serem vistos por uma moradora, fugiram para a garagem, onde encontraram um carro aberto com a chave na ignição. Ítalo dirigiu até a saída do prédio e o porteiro, acreditando ser um morador, abriu o portão.
Durante a perseguição policial, o garoto bateu em um ônibus e em um caminhão. Segundo a versão dos policiais militares, o menino atirou duas vezes enquanto dirigia e uma vez ao parar o veículo. Em resposta, os PMs atiraram em Ítalo, que morreu no local. A outra criança foi apreendida pelos policiais, ficando sob o poder deles durante cinco horas (o que vai contra o Estatuto da Criança e do Adolescente). Neste tempo, o menino gravou um depoimento, no qual confirmava que Ítalo atirou. No entanto, depois, o garoto apresentou outras duas versões. Primeiro, disse que Ítalo efetuou os disparos durante o trajeto – e não depois que o carro bateu. E por fim, afirmou que apenas os PMs efetuaram disparos e que nem ele e nem Ítalo estariam armados, contrariando a versão policial.
Diante deste acontecimento, percebemos, inicialmente, um esforço, por parte da cobertura midiática, bem como das autoridades responsáveis, para não responsabilizar os policiais. O argumento era que os militares, ao perseguirem o veículo, estariam cumprindo seu dever, sendo a morte do menino uma fatalidade. Além disso, Ítalo teria atirado primeiro e os policiais desconheciam o fato de que o veículo era conduzido por uma criança.
No entanto, as investigações e o laudo pericial colocam em dúvida esta versão, já que a polícia teria sido informada de que o veículo foi roubado por duas crianças. Além disso, a única marca de tiro no carro era da arma do policial e os vestígios de pólvora na mão de Ítalo não são prova suficiente de que o menino atirou.
Na busca pelos responsáveis pelo que aconteceu, percebemos que a morte de Ítalo é individualizada, vista como fruto de um lar desestruturado, de pais ausentes e da pobreza, ingredientes essenciais quando se buscam explicações para a criminalidade. O passado criminal dos pais e de Ítalo são convocados. A mãe saiu há pouco da cadeia por roubo e o pai está preso por tráfico de drogas. As reportagens mostram que o próprio Ítalo e o amigo já teriam sido apreendidos três vezes, por furtos, só em 2016.
No entanto, longe de ser um acontecimento individualizado, responsabilidade exclusiva da família, a morte de Ítalo nos aponta problemas sociais mais amplos, desafios que têm que ser enfrentados, como a desigualdade social tão naturalizada em nosso país; a precariedade das condições de vida a que tantas crianças e adolescentes são submetidos; o cumprimento ineficiente do Estatuto da Criança e do Adolescente além do pouco investimento do Estado em medidas protetivas e não só punitivas, que proporcionem melhores condições de vida às crianças e adolescentes em conflito com a lei. Não podemos ignorar também o despreparo e a violência policial, que mais uma vez, aparecem em nossas análises, vitimando, desta vez, uma criança de 10 anos [1]
[1] Menos de um mês após a morte Ítalo, outra criança foi morta, desta vez, pela Guarda Civil Metropolitana, na Zona Leste de São Paulo. Waldik Gabriel Silva tinha 11 anos e morreu, no dia 25, em uma troca de tiros durante uma perseguição da GCM ao carro em que estava. Saiba mais sobre o caso.
Fabíola Souza
Doutoranda do PPGCOM-UFMG
Pesquisadora do Gris
Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de junho, definido em reunião do GrisLab.