Análise | Diário da Quarentena Infância, juventude, 3ª idade

Impactos da pandemia na vida das crianças

A análise apresenta alguns efeitos socioeconômicos e psicossociais da pandemia na vida cotidiana das crianças. A discussão se vale de alguns dados de pesquisa para pensar como as vulnerabilidades dessas crianças são construídas no âmbito das dinâmicas sociais e não intrínsecas aos mais novos.

Ilustração: studiogstock / via Freepik

Depois que o primeiro caso de Covid-19 foi confirmado no Brasil, dia 26 de fevereiro de 2020, uma sucessão de informações sobre a grave infecção se espalhou pelos diferentes canais comunicativos do país. Embora as crianças não tenham sido listadas entre os grupos de risco, elas passaram a figurar em meio a notícias que revelaram os impactos socioeconômicos e psicossociais sobre suas vidas cotidianas. Assim, observar como são atingidas ajuda a perceber nuances das dinâmicas engendradas no âmbito da pandemia.

Estudo realizado pelo Núcleo Ciência Pela Infância, com pesquisadores da USP, FGV e Harvard, identificou como o estresse da quarentena afetou a saúde psíquica das crianças. Segundo a investigação, 36% delas desenvolveram dependência excessiva dos pais; 32% apresentaram mais desatenção; 29%, mais preocupação; 21%, problemas do sono; e 18%, falta de apetite. Outro levantamento, da Unicef, apontou que os efeitos socioeconômicos da crise sanitária atingiram mais as famílias com crianças e adolescentes do que as sem eles.

O ambiente de incerteza é fomentado pelo medo dos adultos de perderem o emprego e as mínimas condições de seguridade, o que se mostrou realidade para muitas famílias brasileiras. Além disso, os pequenos lidam com o temor de perderem familiares e amigos vitimados pela doença. Essa atmosfera psíquica tem sido diretamente vinculada ao aumento da violência doméstica, registrado em diferentes regiões do país, já nos dois primeiros meses da quarentena. Só em São Paulo, esse aumento foi de 20%, no período. O fato de as crianças estarem fora da escola, embora necessário, agrava o quadro na medida em que é um espaço fundamental para a denúncia de maus tratos sofridos por menores de idade.

Olhar para as crianças nos permite enxergar diferentes desdobramentos da pandemia em um frágil tecido social carente de garantias básicas. Logo, não se trata de buscar uma vulnerabilidade intrínseca às crianças, mas de identificar mecanismos que a produzem, manifestando-a no sofrimento psíquico, na fome, na falta de proteção familiar, na ausência do Estado, no silenciamento da voz ou na dissolução dos processos de socialização. São as assimetrias do poder – e não apenas a condição natural e inegavelmente peculiar das crianças – que, em última instância, condicionam as vulnerabilidades.

As infâncias são múltiplas porque múltiplas são as experiências que delineiam os primeiros anos da vida: gênero, classe, tradições, religião, etnia, escolaridade, práticas de consumo etc. Do mesmo modo, ser criança durante a pandemia é ter uma experiência específica, localizada no tempo e no espaço, que produzirá determinadas infâncias e, consequentemente, subjetividades infantis específicas. Nesse sentido, os impactos sobre a vida cotidiana das crianças, no contexto da crise sanitária, estão legando indicadores importantes para pensarmos não só as infâncias contemporâneas, no contexto brasileiro, mas a própria sociedade em que essas infâncias são construídas.

Renata Tomaz, pós-doutoranda no Programa de Mídia e Cotidiano da UFF, com doutorado e mestrado em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ. Autora do livro “O que você vai ser antes de crescer? Youtubers, infância e celebridade” (Appris)



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