Análise | Celebridades e Figuras Públicas

Parir é coisa da realeza?

No dia 23 de abril, Kate Middleton deu a luz ao seu terceiro filho, o príncipe Louis. A duquesa de Cambridge foi assistida por enfermeiras, passou por um parto normal e teve alta do hospital apenas seis horas após o nascimento do bebê, quando posou para fotógrafos maquiada e usando sapatos de salto. A via de parto e a aparente rápida recuperação da duquesa levantam uma questão: seria privilégio da realeza ou “plebeias” também poderiam ter acesso a um parto vaginal com assistência de qualidade?

Príncipe William, Kate Middleton e o terceiro filho do casal, Louis. Fonte: Reprodução/Twitter.

O nascimento de um herdeiro da coroa é sempre um acontecimento de grande repercussão midiática. No Brasil, entretanto, para além das implicações de um novo nome na linha de sucessão britânica, a discussão passa pelo parto dos bebês. Kate Middleton tem três filhos, e os três nasceram por meio de parto vaginal, com o menor número de intervenções possíveis. Durante o nascimento dos príncipes George e Louis e da princesa Charlotte, a duquesa foi assistida por enfermeiras e obstetrizes, passou poucas horas na maternidade após o parto e saiu caminhando sozinha com sapatos de salto. Acompanhando as notícias e comentários sobre o caso, uma ideia se sobressai: a de que, por ser membro da realeza, Kate teria acesso a uma estrutura especial de acompanhamento e que isso seria primordial para a escolha da via de nascimento e também para a rápida alta do hospital.

É fato que o acesso aos melhores serviços disponíveis traz confiança para a efetivação da escolha pela via de nascimento, contudo, a opção de Kate pelo parto normal é muito mais do que isso. No Reino Unido, cerca de 40% dos bebês nascem por meio de parto natural, isto é, sem nenhuma intervenção, como cortes e anestesias. Cesáreas são entendidas como uma cirurgia e acontecem principalmente em casos de emergência ou em decorrência de alguma condição médica da gestante. Além disso, no pós-parto, enfermeiras visitam a mãe e o recém-nascido em sua residência nos primeiros 21 dias para realizar os exames básicos e dar orientações sobre os cuidados necessários.

No Brasil, estes números são muito diferentes. De acordo com uma pesquisa realizada pela Fiocruz, ainda que no início da gestação 70% das grávidas demonstrem preferência pelo parto normal, cerca de 53% dos nascimentos no país são via cesariana, contrariando a indicação da Organização Mundial de Saúde de que sejam realizadas apenas 15% de cesáreas. Nos hospitais particulares, o índice chega a 88%. Embora pesquisas evidenciem que partos cirúrgicos tenham três vezes mais riscos de morte de mães e bebês, a falta de informação médica adequada, bem como um incentivo pré-natal pela realização de cesarianas, fazem com que no Brasil cesáreas sejam entendidas como o método mais seguro, tornando o país recordista mundial na realização desta cirurgia. Além disso, o grande índice de violência obstétrica, a medicalização excessiva – como uso de jejum, posição de litotomia e ocitocina para acelerar as contrações – e o medo da dor fazem com  que a cesariana seja entendida como uma alternativa mais prática e confortável.

O parto vaginal remete, então, a algo muito mais complicado e doloroso do que realmente pode ser. Fica claro o porquê do estranhamento quando alguém de uma classe social abastada escolhe vivenciar o parto natural e sai aparentemente tão bem da maternidade – ainda que saibamos que a duquesa tem um esquadrão de fotógrafos a esperando na porta e deve ter dado uma atenção especial à sua aparência.

O acontecimento do parto de Kate Middleton nos mostra que há muita desinformação em relação às vias de nascimento no Brasil. O parto vaginal, em condições de normalidade de mãe e bebê, é mais simples e tem a recuperação mais fácil. Não se deve, no entanto, ignorar a importância da cesárea e que ela salva vidas, tampouco questionar a opção de uma mãe pela realização de uma. Todavia, é necessário ter informações e cuidado para tomar a decisão mais apropriada para si e barrar os abusos. Um parto digno e respeitoso não deveria ser entendido como um privilégio da realeza, mas como um direito de todas as mulheres.

Julia Ester de Paula
Mestranda em Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Mídia e Esfera Pública/ Eme



Comente

Nome
E-Mail
Comentário