Análise | Celebridades e Figuras Públicas Diário da Quarentena

No Instagram, Pugliesi decreta o fim de seu isolamento

Depois de ter sido cancelada e ficar três meses afastada do Instagram, Gabriela Pugliesi preparou um vídeo de quase 13 minutos, editado e com legenda, para retornar à plataforma se desculpando com seu público. Muitas fãs comemoraram, algumas celebridades se manifestaram a favor de sua volta e diversas pessoas criticaram sua postura. Rapidamente, a postagem atingiu milhões de visualizações, gerou mais de 50 mil comentários e reativou debates interessantes sobre a relação entre celebridades, influenciadores e sociedade.

O vídeo de retorno de Pugliesi instaura muitos sentidos. O primeiro ponto que chama a atenção é a performance do retorno: do discurso ao cenário, tudo no vídeo parece ter sido muito bem planejado, longe da espontaneidade que Pugliesi pretendia demonstrar. Vários usuários destacaram a percepção sobre a “encenação” do pedido de desculpas, apontando aspectos de produção como, por exemplo, a escolha do figurino claro, o cabelo sem megahair, a intenção em mostrar o quarto branco do casal, em uma tentativa de transmitir paz.

Essas questões parecem ficar mais visíveis quando somadas ao conteúdo da fala inconsistente. Apesar de ter reconhecido o erro, Pugliesi disse que, até o dia da festa (que foi o motivo de seu cancelamento), não tinha a noção real do alcance da sua imagem — o que é no mínimo estranho para uma pessoa que cultiva a fama há quase dez anos, baseada em números, métricas e estratégias relacionadas aos algoritmos.

Além disso, ela identificou que o próprio excesso de otimismo foi um dos motivos que a fez “fechar os olhos para uma parte cruel do mundo”. Mas, na sequência, também afirma o quanto é abençoada por ter recebido o que ela vem chamando de “sinal do universo”, que seria o cancelamento do seu status de fama decorrente de sua postura pública reprovada. No entanto, isso nem esbarra em seu discurso: ela chega a agradecer aos haters que, apesar da agressividade, a fizeram abrir os olhos para os problemas do mundo e acabaram ajudando na sua evolução. Ou seja, ela se perdoou, e, aparentemente, é o que importa (a vida continua sendo “mara”).

Embora tenha perdido todos os patrocinadores e cerca de 90 mil seguidores (até o dia em que saiu do Instagram), o perfil de Pugliesi voltou a funcionar como se ela não tivesse se afastado — a diferença é que, agora, além das indicações de livros de autoajuda, ela também recomenda leituras sobre feminismo e racismo. Mas faz questão de dizer que está aprendendo, sempre “em evolução”. As marcas também estão começando a voltar de maneira discreta. Mas será que alguma coisa mudou para os 4,3 milhões de seguidores que continuam acompanhando a vida da celebridade?

O cancelamento superficial e a volta despreocupada de Pugliesi apontam também para outra discussão importante: a enorme diferença entre o cancelamento de pessoas brancas e pessoas negras.

De um lado temos, por exemplo, a intelectual negra Djamila Ribeiro, que recentemente foi cancelada após uma discussão com a ativista Letícia Parks. Em poucas horas, Djamila recebeu centenas de mensagens ofensivas e ameaças, perdeu seguidores em todas as redes sociais e, no dia seguinte, teve que fazer um boletim de ocorrência após sua filha também ter sido ameaçada pelos internautas.

Do outro lado temos o cancelamento de Pugliesi e de tantas outras celebridades e influenciadoras brancas. Diferente de Djamila, o tom do cancelamento de Pugliesi não passava por ameaças ou falas de extremo ódio. Ela foi questionada e perdeu algumas de suas várias fontes de renda, mas tudo num tom que, de certa forma, preservava sua integridade.

O cancelamento de pessoas, independente do motivo, é algo que deve ser questionado. É preciso, no entanto, atenção especial às especificidades de cada caso, afinal, colher do cancelamento algumas críticas e perdas financeiras é bem diferente de ter sua vida e liberdade colocadas em risco.

Fernanda Medeiros, doutoranda (PPGCOM-UFMG) e pesquisadora do Gris
Barbara Lima, mestranda (PPGCOM-UFMG) e pesquisadora do Gris



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