Análise | Diário da Quarentena Infância, juventude, 3ª idade Questões raciais Violência e Crimes

Até quando a ação policial continuará matando crianças da periferia?

Jenifer, Kauan, Kauã, Kauê, Ágatha, Ketellen, João Pedro.
Crianças negras e pobres, vítimas das ações policiais nas comunidades do Rio de janeiro entre 2019 e 2020. Apesar da comoção e protestos, as famílias continuam sem resposta e sem justiça.

Charge: Nando Motta

João Pedro Matos Pinto, 14 anos, morador do Morro do Salgueiro, brincava com os primos na casa de um parente. Ao escutarem tiros e a aproximação de um helicóptero, os seis garotos se refugiaram dentro da casa, aguardando o fim da operação policial. No entanto, a polícia civil invadiu o local e, seguindo a lógica do “atire primeiro e pergunte depois”, disparou quase 70 vezes na casa.

Atingido nas costas, João Pedro foi levado para o helicóptero do Corpo de Bombeiros, ficando desaparecido por 17 horas. Nem mesmo a informação de que o adolescente estava morto e se encontrava no Instituto Médico Legal foi dada à família, que se mobilizou durante horas entre hospitais e também nas redes sociais em busca do filho.

Embora a morte de João Pedro seja chocante, essa tragédia não é uma exceção. Segundo o aplicativo Fogo Cruzado, o garoto é o vigésimo quarto adolescente baleado no estado do Rio de Janeiro em 2020. Destes, 12 foram atingidos em situações com presença de agentes de segurança e cinco morreram. Somado a isso, somente entre março e abril deste ano, 290 pessoas morreram no estado em operações policiais.

O acontecimento também revela a desigualdade de direitos nas periferias. A segurança que, como bem público, deveria ser oferecida de modo igual a todo cidadão brasileiro, na prática é um privilégio que não se estende às periferias. No lugar de uma polícia que previne e cuida, as comunidades se deparam diariamente com agentes de segurança que confrontam e que, imersos em preconceitos, enxergam, muitas vezes, no cidadão pobre, negro e periférico um potencial inimigo.

Outro direito negado é a privacidade. Cumprindo o isolamento social, João Pedro estava em casa. No entanto, seu espaço não é respeitado, sendo invadido sem qualquer aviso com a justificativa de que lá dentro haviam bandidos.  Além de vítima da violência do Estado, a família de João também demonstra as dificuldades de se proteger da pandemia. Em uma situação de trabalho precário – o pai fazia um “bico” – à família não é dada a escolha de “ficar em casa”, tendo que enfrentar o risco diário de contrair o coronavírus para garantir seu sustento.

Chama também atenção a necessidade da família de justificar a inocência de João Pedro, de modo a legitimar seu sofrimento e também seu pedido por justiça. Isso porque parte da nossa sociedade – tendo entre seus representantes Bolsonaro e Witzel – naturaliza a violência nas periferias e mesmo tolera ou até justifica as ações policiais violentas nestes lugares. Sob a lógica de que a vida do bandido não tem valor, de que o criminoso é um problema que pode ser exterminado, os agentes de segurança recebem um salvo conduto para matar.

Fabíola Souza, professora da UFOP e pesquisadora do Gris



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