Análise | Infância, juventude, 3ª idade

Infância(s) e pandemia: um panorama da realidade

A suspensão das aulas, no Brasil e no mundo, traz à tona problemas antigos da infância, a começar pelo não reconhecimento de que existem várias infâncias.

Imagem: reprodução / Brasil de Fato

A pandemia evidenciou uma triste e cruel realidade: a infância não tem o seu protagonismo, sempre teve que se adaptar ao ritmo adulto e agora não é diferente. Filhos acompanham o  ritmo dos pais, muitos deles sem saber o que fazer para cuidar das suas crianças com o vírus circulando. Somado a isso, temos escolas fechadas, aulas virtuais ou a ausência delas, o desemprego e o home office em andamento.

No entanto, é importante esclarecer duas situações a respeito da infância. A primeira é que, ao falar de crianças, não se pode entender que haja somente um tipo de infância. O contexto social, econômico e afetivo revela vários tipos de infância. A segunda situação, que não pode passar despercebida, é que as crianças ainda são vistas, por muitos, como seres inferiores em vários aspectos, e isso se dá desde a concepção de criança tratada como boneco de vitrine (objetificado e a mercê dos caprichos dos pais) à visão de que criança tem que trabalhar para ajudar no sustento da casa.

Uma rápida olhada para os principais centros urbanos pode ajudar a identificar as várias infâncias existentes, que já estavam aí,  em parte, antes da pandemia, e agora estão mais evidentes. Observa-se uma infância nas classes mais abastadas, que podem ter cuidadores externos e professores fazendo um atendimento individual e especializado. Pode ser destacada uma infância de classe média, cujos pais se desdobram para garantir um mínimo de bom desenvolvimento, como pagar escolas privadas com aulas virtuais síncronas e assíncronas; pais se revezando entre trabalho em casa e ajuda com as atividades escolares dos filhos; brincadeiras e mais convivência familiar, para citar duas possibilidades.

Por outro lado, há uma maioria de crianças que formam as diversas infâncias da periferia. Nesse caso, pode-se perceber famílias que tiraram seus filhos de escolas privadas locais por causa da queda na renda familiar; outras se esforçando para destinar uma parte dos poucos recursos que têm para manter ao menos um celular com Internet para que um ou mais filhos realizem o mínimo de atividades escolares. Há, ainda, infâncias da periferia cujos familiares têm aparelhos com baixa capacidade para uso de aplicativos, com Internet de baixa velocidade 一 quando a têm 一 para os quais a preocupação do dia gira em torno de como conseguirão manter a alimentação de suas crianças até o final do mês.

Em outro patamar, talvez, estão pessoas, principalmente homens, nas instâncias do poder público, para os quais a prioridade é salvar a economia (isto é, empresas funcionando). Longe de garantir um retorno seguro e de qualidade às aulas, a preocupação de colocar as crianças na escola é para mandar os pais para o trabalho. Não sabem como estão essas crianças e suas famílias, sua saúde mental depois de meses inéditos de uma vida inédita e de problemas tão antigos. Para os senhores do poder as crianças, ao que tudo indica, só existem como problema, ao menos é o que revelam as suas atitudes e discursos.

Por fim, as crianças continuam sendo olhadas, quando o são, como inferiores. Partimos dos adultos pequenos para os pequenos adultos: são vestidos conforme desejos dos adultos, às vezes como se fossem bonecos; exerce-se todo autoritarismo nos mandos e desmandos com as crianças; quando a família perde a renda, os primeiros cortes são em relação a elas e seus poucos benefícios. Quando os recursos são precários, podem até mesmo ser colocadas nos semáforos da vida. Sem contar as inúmeras violências a que são submetidas: se abusa delas em sua sexualidade, afetividade e dignidade; são espancadas, maltratadas e nunca são ouvidas. A história demorou séculos para olhar para a criança e nos perguntamos o porquê de tanto tempo. Mas talvez a pergunta mais adequada seja: por que ainda não enxergamos a infância?

Dirceu Alves, pedagogo e professor do ensino fundamental na rede pública



Comente

Nome
E-Mail
Comentário