Análise | Questões raciais

Nada de novo sob O (Segundo) Sol

A nova novela das 9 da Rede Globo, que está no ar há duas semanas, ganhou repercussão negativa nas redes sociais e nos portais de entretenimento por escalar apenas três atores negros em uma história que se passa na Bahia. A análise demonstra que esse acontecimento não é novidade na teledramaturgia brasileira, concluindo que o caso é mais um retrato da força do racismo institucional na sociedade brasileira.

Beto (Emílio Dantas) e Luzia (Giovanna Antonelli) em Segundo Sol. Crédito: Globo/João Cotta.

Há duas semanas foi ao ar o primeiro capítulo da novela “O Segundo Sol”, nova novela das nove da Rede Globo. O folhetim se passa em Salvador, e os dois protagonistas da novela são um famoso cantor de axé e uma catadora de mariscos em uma cidade praiana do interior da Bahia.

O que foi intensamente criticado por parte da audiência da Rede Globo, em especial pelo movimento negro, não foi tanto o mote da história, e sim, o elenco: para a novela ambientada na Bahia, a emissora escalou 24 atores brancos e apenas 3 negros no elenco principal. Os dois atores negros escolhidos interpretam uma empregada doméstica e um motorista, reforçando, mais uma vez, a lógica racista em que negros só podem ocupar lugares de subalternidade, mesmo nas narrativas em que deveriam ser protagonistas.

A repercussão da escalação do elenco predominantemente branco da novela foi notícia nos principais portais de entretenimento do Brasil e alcançou também a atenção da mídia internacional[1]. A atriz Giovanna Antonelli, protagonista da trama, defendeu a escolha[2] dos atores brancos e disse ser essa “a graça da profissão”. Em nota[3], a Rede Globo afirmou “não pautar as escalações de suas obras por cor de pele” e afirmou estar acompanhando as manifestações críticas feitas até então.  

Apesar de ter recebido diversas críticas e uma notificação do MP[4], este acontecimento não é novidade e (re)convoca um passado conhecido da emissora. Nos anos 2000, Joel Zito Araújo[5], explicitou os sucessivos apagamentos, boicotes e desserviços praticados pelas emissoras brasileiras ao inserirem atores/personagens negros no enredo de telenovelas. Em 1994, a Rede Globo foi processada pelo coletivo Geledés, por exibir uma cena acintosamente racista em “Pátria Minha” e vem sendo criticada desde 1970 por escolher quase exclusivamente atores brancos para o elenco de novelas cujos enredos foram adaptados a partir das obras do escritor baiano Jorge Amado, como foi o caso de “Gabriela” (1975) e “Porto dos Milagres” (2002).

O apagamento da população negra e baiana em “O Segundo Sol” é tão forte que até a trilha sonora, composta por sucessos da música baiana dos anos 1990 que foram gravados por artistas negros e baianos como Carlinhos Brown, Margareth Menezes, Olodum e Araketu, foram regravados por artistas brancos e que não são baianos. E vale comentar rapidamente que, no elenco das novelas das 6 e das 7, a presença de atores negros é praticamente nula.

Um dos principais argumentos falaciosos utilizados na defesa da escolha de atores brancos para viver personagens negros é a ausência de atores negros “qualificados”. Tal argumento foi utilizado pela Globo em sua nota sobre “O Segundo Sol”, e também por demais profissionais do ramo da (tele)dramaturgia em outras ocasiões de branqueamento explícito de narrativas negras, ou de acusações de blackface. Como resposta, a página Trick Tudo criou uma lista[6] com 50 atores e atrizes negras que poderiam fazer parte da novela, e essa lista acumula 46 mil curtidas hoje. A Bahia branca de João Emanuel Carneiro pode não ser um retrato da Bahia real, mas é um retrato da força do racismo institucional na sociedade brasileira.

Mayra Bernardes
Mestranda em Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do Gris



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