Análise | Celebridades e Figuras Públicas

O Oscar de Leonardo DiCaprio: contestação e deboche

Leonardo DiCaprio, enfim, venceu o Oscar por sua atuação em O Regresso, dirigido por Alejandro Iñárritu. No filme, inspirado em fatos reais, o ator representa uma espécie de cowboy norte-americano, desbravando territórios, pronto para infligir ou causar sofrimento, solitário em busca de vingança. A cerimônia de premiação mostrou que o mito americano tem outra face: criticando o capitalismo, o ator discursou contra políticos e grandes corporações poluentes. Com o dedo médio, ele debochou da Academia sob os holofotes do evento mais importante do cinema.

 

A audiência do Oscar 2016 nos Estados Unidos foi a mais baixa dos últimos oito anos. Alguns dias antes do evento, a falta de indicações de atores negros em categorias mais prestigiadas trouxe um debate importante sobre o racismo. A hashtag #oscarsowhite foi compartilhada no mundo inteiro. Lideranças de movimentos sociais pediram para o público não assistir ao Oscar. Em resposta, o discurso de abertura do ator Chris Rock, um monólogo engajado e irônico, apresentou a mea culpa da academia.

Na noite da premiação, contudo, a discussão sobre a falta de diversidade no cinema foi deixada de lado. A grande atração do evento era saber se Leonardo DiCaprio ganharia a estatueta dourada, prêmio que concorria pela quinta vez. Os memes, que divertiram o público na internet, ironizavam as derrotas do ator.

Sempre há... O próximo ano... E a próximo ano, e os anos depois disto...

Sempre há… O próximo ano… E a próximo ano, e os anos depois disto…

O humor das piadas expunha o descompasso entre a fama de Leonardo DiCaprio e a falta de reconhecimento por seus pares. Outros atores e atrizes menos célebres foram indicados mais vezes sem vencer: Glenn Close e Deborah Kerr foram nomeadas seis vezes. O ator Richard Burton, sete. DiCaprio mereceu os memes por sua celebridade: ao não ser laureado com o Oscar, parecia ridículo ter alcançado tanta fama. Seria ele um charlatão? O público teria sido enganado? Por outro lado, não seria a academia injusta?

Nas sociedades modernas e neoliberais, o mérito e o esforço pessoal são supervalorizados; a mídia, especialmente nas trajetórias das celebridades, cria narrativas inspiradas no sucesso individual, em histórias singulares e excepcionais. O tapete vermelho internacional do Oscar, por sua tradição de criar estrelas, é a epítome dessas narrativas.

Neste ano, Leonardo DiCaprio não deixou sua chance escapar. Diante da plateia que o aplaudia de pé, não pediu para ninguém se assentar, como havia feito o vice-presidente da América momentos antes. No discurso, sereno e bem preparado, DiCaprio lembrou que 2015 foi o ano mais quente já registrado. A equipe de filmagem de O Regresso teria viajado ao ponto mais meridional do mundo para encontrar neve.

O discurso sobre o meio ambiente soa revolucionário hoje, uma vez que questiona os modos de produção e de consumo no capitalismo. Reduzir as mudanças climáticas exige a transformação do capitalismo, em que empresas, políticos e indivíduos precisam lidar com a finitude dos recursos naturais e com as desigualdades sociais entre os países.

Gafe ou recado?

Gafe ou recado?

No dia seguinte à vitória, a divulgação das imagens revelou que Leonardo DiCaprio segurava o envelope do resultado com o dedo médio destacado, em sinal de deboche à Academia. Além disto, fotografias dos paparazzi revelavam que o ator havia esquecido a estatueta no restaurante onde comemorou a vitória… O discurso do ator e suas pequenas insubordinações desalinharam a expectativa do quadro de premiação – que seria de agradecimento, emoção e alegria. Os mitos americanos, tão bem representados por Leonardo DiCaprio, foram questionados no Oscar 2016.

 

Lígia Lana
Doutora em Comunicação Social (UFMG), com estágio sanduíche na EHESS (Paris)
Pesquisadora Capes-Faperj no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUC-Rio

 

Esta análise foi escrita a partir de sugestão da autora.



Comentários

  1. Rodolfo disse:

    Mas é cada uma que inventam! Não podem mais fazer memes, e ficam vendo coisa onde não existe.

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