Noite de sábado, cinco jovens saem para se divertir. No caminho, o Pálio em que estavam é atingido por tiros e os rapazes morrem no local. À primeira vista, este acontecimento se enquadraria em mais um relato de vítimas da criminalidade nas grandes metrópoles brasileiras, não fosse o fato dos criminosos deste caso serem policiais.
28 de novembro de 2015, cinco jovens negros, entre 16 e 25 anos, moradores da Comunidade da Lagartixa, na zona norte do Rio de Janeiro, saem em um Pálio branco, propriedade de um dos jovens, para fazer um lanche, após terem passado a tarde no Parque da Madureira. Ainda estavam próximos de casa, em Costa Barros, quando foram surpreendidos por policiais militares que alvejaram o carro com 81 tiros, dos quais 30 atingiram os rapazes, que morreram no local.
Após os tiros, os policiais desceram da viatura e tentaram modificar a cena do crime. Colocaram uma arma de brinquedo próxima ao carro das vítimas, de modo a justificar o ocorrido como “auto de resistência”[1], ou seja, como se tivessem reagido para se defender. No entanto, a ação dos moradores foi mais rápida e, com filmagens de celular e testemunhos, denunciaram a ação dos policiais.
Os quatro policiais foram presos em flagrante. Thiago Resende Viana Barbosa, Marcio Darcy Alves dos Santos, Fabio Pizza Oliveira da Silva e Antonio Carlos Gonçalves Filho irão responder por homicídio qualificado e fraude processual.
A morte de Roberto de Souza, Carlos Eduardo da Silva Souza, Cleiton Corrêa de Souza, Wesley Castro e Wilton Esteves Domingos Junior não é mais um caso de criminalidade que estamos acostumados a ver nas páginas policiais. No entanto, não deixa de ser um fato recorrente nas periferias do Brasil (Ver análise anterior). Jovens têm sido mortos em ações policiais, muitas justificadas como autos de resistência, sem grandes investigações, bastando a palavra dos policiais. Esses casos, na maioria das vezes, nem chegam ao nosso conhecimento, não estampam jornais.
Mas o caso dos cinco jovens de Costa Barros chegou à mídia e nos assusta. Este acontecimento desorganiza nossos quadros de sentidos, questiona papéis, estereótipos já naturalizados em nosso cotidiano. O bandido e a vítima aqui, não são os esperados (pelo menos pelos que vivem longe dos bairros pobres). Aqueles que teriam que defender são os agressores, opressores, criminosos e aqueles que tantas vezes associamos ao estereótipo do bandido (pobre, negro, morador da favela) aqui, e em tantos outros casos, são as vítimas. Jovens que, como as famílias e a mídia tanto justificaram, eram estudantes, trabalhadores, sem nenhum envolvimento com a criminalidade. E, mesmo que se tratassem de bandidos, a ação destes policiais continuaria sendo injustificada.
Diante de mais uma ação policial desastrosa, muito se questionou sobre o despreparo dos policiais e sobre a necessidade de que a polícia seja melhor treinada. Falta, porém, assumir que, mais do que um caso isolado, a morte destes jovens reflete a desigualdade de nossa sociedade. A proteção não é igual para todos. Em primeiro lugar estão aqueles que têm dinheiro, posses, os que habitam os bairros mais ricos. A vida não tem o mesmo valor.
Fabíola Souza
Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação Social da UFMG
Membro do Gris
[1] Foi publicada no Diário Oficial da União, no dia 4 de janeiro de 2016, uma resolução conjunta do Conselho Superior de Polícia e do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia que aboliu a utilização dos termos auto de resistência e resistência seguida de morte nos boletins de ocorrência e inquéritos policiais. Saiba mais em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/01/1725933-resolucao-poe-fim-ao-termo-autos-de-resistencia-em-boletim-de-ocorrencia.shtml
Saiba mais sobre o caso
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/11/pm-exonera-comandante-responsavel-por-area-onde-amigos-morreram.html
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/12/1720601-justica-do-rio-aceita-denuncia-contra-pms-acusados-de-matar-cinco-jovens.shtml
Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de janeiro, definido em reunião do Grislab.