Análise | Poder e Política

Tiros e Tweets

Fotografia por Marcos Alves/ Agência O GLOBO

O GrisLab publicou análises dos tiros profissionais que mataram Marielle Franco, mas é preciso dizer também dos tiros que atingiram a caravana do ex-presidente Lula.

Lula vinha sendo alvo de ovos e tomates: manifestações agressivas, mas muito semelhantes às que outros políticos se expõem – por exemplo, o ex-prefeito de São Paulo, João Dória, até transformou o gesto dos adversários em marketing (conforme analisado neste GrisLab). Quando ovos e tomates viram pedras, o sinal amarelo acende.

Porém, tudo indica que ultrapassamos os limites de respeito às diferenças políticas com estes tiros na caravana do petista. Globo fez uma manchete irresponsável, ainda mais se comparada ao célebre “atentado da bolinha de papel” (aquele validado pelo Molina, o polêmico perito de Temer). A onda de boatos fake news foi forte mais uma vez, inclusive com “notícia” que desmente a si própria, consultando um especialista que não é especialista. Antipetistas não esperaram nenhuma investigação para (a)postar que tudo não passava de simulação, e o candidato favorito deles mais à frente das pesquisas surfou na teoria da conspiração. Outro presidenciável, Geraldo Alckmin, se juntou aos ignorantes que acusam a esquerda de dividir um país há 518 anos dividido: “o PT colhe o que planta”. Se for assim, o que colherá quem (deveria) lidera(r) por anos a polícia que mata mais que toda a polícia estadunidense?

Sejamos didáticos: o desejo de derrotar Lula é legítimo e faz parte da democracia – não é sem motivo que pré-candidaturas à esquerda e à direita dele surgiram aos montes. O desejo de destruir qualquer pessoa é doentio, como é doente o homem que realiza um ritual grotesco para comemorar uma prisão e promete prêmios se alguém for assassinado e torturado.

Indo do cafetão Maroni ao general Villas Bôas: nada justifica o tweet do comandante do Exército na véspera de julgamento do habeas corpus de Lula pelo STF (analisado neste GrisLab). Exceto nos tribunais da Justiça Militar, não é papel de generais julgar. Villas Bôas pode ter tentado demonstrar comando da tropa, cada vez mais formada por digital influencers extremistas, mas o que lemos foi uma ameaça e uma coação aos juízes da Suprema Corte – vexaminosamente referendada com ares “imparciais” no Jornal Nacional.

Alguns perguntaram o porquê de o general não questionar o arquivamento de processos contra Romero Jucá, Aécio e outros. Não interessa: juiz julga, líderes militares lideram os militares. É, ou deveria ser, simples assim.

Pior: o comandante do exército teria dito no início da intervenção militar no Rio (que já apresenta números negativos no controle da criminalidade) que desejar agir “sem o risco de uma nova Comissão da Verdade”. Fica difícil acreditar nas boas intenções de quem se declara contra a impunidade, mas sequer está disposto a lidar com a verdade…

Villas Bôas foi internado ontem. Torçamos para que, além de recuperar a saúde, ele volte com algum juízo.

 

Gáudio Bassoli
Mestre em Comunicação Social pela UFMG e Apoio Técnico do GrisLab



Comente

Nome
E-Mail
Comentário