Análise | Diário da Quarentena Gênero e sexualidade Violência e Crimes

Violência contra a mulher em tempos de isolamento social

Em tempos de pandemia, um dilema do confinamento social: apesar de necessário para salvar vidas, também potencializa casos de violência doméstica contra mulheres e de feminicído. Nesse cenário, campanhas de apoio às mulheres são postas em prática, mas nenhuma suficiente para combater o machismo estrutural.

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Foto: divulgação / TJ-AL

Vai levar um tempo até nos darmos conta de todos os danos colaterais provocados pela Covid-19 – como se não bastassem a doença e as mortes.  A economia é o aspecto mais lembrado, mas vários outros problemas se acentuaram durante a pandemia. A violência doméstica é um deles, bem como o feminicídio, conforme noticiado por várias agências e evidenciado pelos dados já disponíveis.

  • A OMS alertou que, na Europa, durante o confinamento, houve, só no mês de abril, um aumento de 60% nas denúncias de mulheres vítimas de violência doméstica, em comparação com o mesmo mês do ano passado;
  • No início da pandemia, a ONU alertou para o possível aumento de casos desse tipo de violência e ressaltou a importância de um cuidado especial com as vítimas na América Latina e no Caribe. Confirmando esse alerta, a América Latina teve um grande aumento de casos de violência doméstica e de feminicídios durante a pandemia. Na Colômbia, o crescimento foi de 50% nos registros de abuso doméstico; no México, as chamadas de emergência que relatam ataques a mulheres também cresceram aproximadamente 50%. Quanto ao feminicídio, os casos na Venezuela aumentaram 65%;

Frente a esse quadro, algumas iniciativas estão sendo tomadas – porém tímidas, e nitidamente insuficientes:

  • O governo federal, através do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado pela ministra Damares Alves, lançou em meados de maio uma campanha contra violência doméstica, porém com o foco disperso – abrangendo outros grupos, como idosos, pessoas com deficiência, crianças e adolescentes. A despeito de serem as mulheres as principais vítimas de violência doméstica (e do aumento de casos durante o isolamento social), a campanha é genérica, nega a desigualdade de gênero e apenas enfatiza canais de denúncia já existentes;
  • No último dia 10 de junho, a Câmara aprovou um projeto de lei que garante atendimento presencial para casos de violência doméstica durante a pandemia. O projeto já havia sido aprovado em maio, mas o texto foi alterado pelo Senado e voltou para a Câmara para, em seguida, ser encaminhado à sanção presidencial. Ou seja – caminha lentamente;
  • A empresária Luiza Trajano, dona da Magazine Luiza, lançou em 2018 uma campanha para estimular a denúncia contra a violência doméstica utilizando a hashtag #EuMetoAColherSim. Em 8 de março de 2019, em alusão ao dia internacional das mulheres, a marca reforçou a hashtag anterior e incluiu em seu app um botão de denúncia para casos de violência, ligado ao canal de denúncias 180. Em 2020, com o aumento de números de casos de violência contra mulheres, devido ao isolamento social, a loja reforçou a campanha e utilizou a seguinte chamada: “Ei, moça! Finja que vai fazer uma compra no app Magalu. Lá tem um botão para denunciar a violência contra a mulher”. A campanha publicitária, entretanto, recebeu críticas por ser avaliada como oportunista e a ferramenta foi considerada inútil. Reagindo à crítica, Magalu se propôs a fazer atualizações no botão de denúncia;
  • O vídeo Call foi criado pelo Instituto Maria da Penha, em parceria com as agências de publicidade F. e Vetor Zero. Ele faz parte de uma campanha que visa a conscientização de mulheres vítimas de violência doméstica, mas também a criação de uma rede de apoio nesse momento de isolamento social;
  • Outra campanha, Sinal vermelho para a violência doméstica, lançada no último dia 10 pelo Conselho Nacional de Justiça e pela Associação dos Magistrados Brasileiros, pretende incentivar as vítimas de violência doméstica a denunciar agressões nas farmácias. A vítima só precisa mostrar um X vermelho na palma da mão (feito com caneta ou batom, por exemplo), para que o atendente ou farmacêutico entenda do que se trata e acione a polícia. Cerca de 10 mil farmácias de todo o país são parceiras na iniciativa.

Mesmo insuficientes, essas campanhas são indicativas de uma realidade significativa: o aumento da consciência sobre a violência contra as mulheres. O governo deveria ser o carro-chefe no combate rígido e persistente do feminicídio e do machismo que o sustenta; em contrapartida, quase não houve gastos com os mais vulneráveis, inclusive no combate à violência contra a mulher. Enquanto o governo nem combate a pandemia nem assume o problema enquanto problema público, é preciso que essa consciência – e a intolerância contra toda forma de violência de gênero – cresça(m) enquanto denúncia, mas também sob a forma de ações afirmativas e de combate.

Vera França, professora titular de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do GrisLab
Chloé Leurquin, jornalista, doutoranda em Comunicação Social/ UFMG e pesquisadora do GRIS



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