A divulgação de nudes de Stênio Garcia faz parte de uma corrente maior de vazamento de imagens íntimas de celebridades e comuns, com um elemento distintivo: trata-se de um idoso. Faz parte também de um comportamento compulsivo de atração pelas imagens.
O nudes de Stênio Garcia e sua esposa, Marilene Saade, que circulou há algumas semanas atrás, provocou muitos comentários e suscita uma gama ampla de sentidos.
Esse “acontecimento” se junta a casos semelhantes: o vazamento de fotos íntimas de Carolina Dieckmann, entre outros, colocou em discussão a questão da falta de segurança dos arquivos pessoais, da exacerbação do voyeurismo e do exibicionismo na sociedade contemporânea, da dissolução das fronteiras do público e do privado.
A dimensão e alcance dessa dissolução já provocaram consequências trágicas, como o suicídio de jovens mulheres quando se viram em cenas íntimas divulgadas na internet por seus parceiros (parceiros?!).
No caso de Stênio Garcia, vários outros aspectos entram em cena: a vida sexual dos idosos e a diferença de idade do casal foram objeto de piadas e desrespeito. Também se levantou a hipótese da intencionalidade: o “descuido” com as fotos seria suspeito, na medida em que o desconhecimento e/ou ingenuidade sobre a circulação de informações, hoje, não se justificam. Stênio estaria querendo ganhar espaço na mídia? Ou seria Marilene Saade querendo se projetar?
Além de todas essas questões (que são sintomas da sociedade em que vivemos), uma outra merece destaque, talvez como pano de fundo das demais: a febre de fotos, a necessidade compulsiva de registro, de “fotografar”. Poderíamos pensar que esse nudes constitui apenas uma brincadeira erótica, um jogo do casal. Mas esse “jogo” se aproxima e faz parte do mesmo comportamento que assistimos em restaurantes, aeroportos, estádios, academias, reuniões sociais, locais de acidente – sem falar de cenas prosaicas como dormir, comer, ir ao banheiro.
Todos fotografam tudo, hoje. Tanta foto é para quê? Trata-se de fixar o presente? Trata-se do culto de si? Há um gozo da imagem, a busca de alguma coisa a mais no desejo de perpetuação de uma cena?
A tentativa de dizer o que o casal pretendia é arriscada e, no caso de Stênio, marcada por preconceito (cenas de adultos jovens na mesma situação não constituíram “acontecimentos”- ou se o foram, certamente suscitaram outros sentidos). Mas com certeza, o problema da invasão de privacidade faz parte de uma dinâmica que ultrapassa alguns poucos abelhudos com vocação de paparazzi – é uma característica de nosso tempo.
E tanto existem muitos que se distraem “espiando” os detalhes da vida alheia como existe uma necessidade excessiva de registrar em imagem. O desejo de registro faz parte do comportamento humano desde sempre. Num nível exacerbado, ele provoca um desequilíbrio com relação a outras formas de experimentar as situações que vivemos. Jean Baudrillard há muitos anos denunciou o esvaziamento do simbólico, as imagens sem referente. Não é disto que se trata; há um simbolismo, sim, nesse fotografar e nas imagens que se produzem e se divulgam. Mais necessário seria entender o que se busca e o que se produz com essa necessidade quase compulsiva de fotografar, produzir imagens.
Vera França
Professora Titular do Departamento de Comunicação Social da UFMG
Coordenadora do Grispop
Esta análise foi escrita a partir da sugestão da própria autora, diante da repercussão do caso.
Buscamos a aprovação do outro, como se isso nos desse um aval de que somos melhores, aceitos e, portanto, certos em nossa conduta de vida, em nossa performance. É como se chamar a atenção sobre si fosse uma forma de dizer não só da sua simples existência, mas da sua forma de existir como um exemplo a ser seguido ou, no mínimo, aprovado. Se olhar o desempenho sexual e o corpo já era uma prática muito difundida nos espelhos nas paredes e nos tetos, “transmidiar” essas imagens para as telas digitais é uma atualização natural; mas propagá-las contém uma intensão além do registro. Lembro da entrevista do casal ao Fantástico para falar do vazamento das imagens deles nus. Não vi ali nenhuma indignação, revolta ou insatisfação por parte do ator Stênio Garcia. Era como se ele estivesse satisfeito com o fato de poder mostrar que, mesmo aos 83 anos, ainda é capaz de um bom desempenho sexual. Afinal, agora as imagens em tempo real servem para provar isso.