Análise | Violência e Crimes

Pedinte bom é pedinte morto

Um menino morre na frente de uma lanchonete Habibs, em São Paulo, depois da perseguição de seguranças, e é carregado (jogado) do outro lado da rua. Apenas um caso banal de um menor que incomodava clientes.
Fonte: CartaCapital

Fonte: CartaCapital

Na madrugada do dia 27 de fevereiro o menino João Victor Souza de Carvalho, de 13 anos, faleceu ao sofrer uma parada cardiorrespiratória, após ser perseguido por seguranças da rede de fast-food Habib’s na Vila Nova Cachoeirinha, bairro da Zona Norte da capital paulista.

Segundo as investigações, a criança pedia dinheiro e alimentos para os clientes do estabelecimento. Testemunhas afirmam que ele estava com um pedaço de pau na mão e ameaçava depredar alguns veículos e o próprio estabelecimento. Após esse suposto ‘ataque’, alguns seguranças da rede correram atrás do garoto.

A princípio o Instituto Médico Legal de São Paulo  afirmou que o problema cardíaco foi originado de substâncias tóxicas, como ‘lança-perfume’, encontradas no organismo de João Victor. A família de João Victor, que sabia da prática de pedinte do menino, entrou com um processo na justiça contra o Habibs. Houve até pedido de exumação do corpo, devido à falta de confiança na palavra do legista.

Circulou na internet um vídeo mostrando a ação dos seguranças do fast-food carregando o corpo do menino de uma maneira bruta e desumana, logo depois da perseguição que causou a morte de João Victor. Algumas pessoas apontam a atitude dos seguranças como violenta para com a criança, e o vídeo gerou uma grande repercussão nas mídias sociais, culminando em manifestações na frente do restaurante e propostas de boicote para com a marca.

Infelizmente, este é um acontecimento “banal”, opaco aos sentidos. Naturalizou-se a presença de crianças nas ruas como pedintes, o envolvimento delas com consumo e tráfico de drogas, bem como o tratamento repressivo contra a ameaça que elas representam  para as pessoas de bem, isto é, para aquelas que tiveram a sorte de não crescerem no abandono.

Essa morte significa muito pouca coisa: mais uma morte, menos um pedinte, mais algumas ações de protesto que vão cair no vazio. O percentual de violência inscrito nesse caso banal, nessa morte que não suscita compaixão, nem é compatibilizado. O assédio de meninos de rua, a truculência dos seguranças, crianças que crescem sem condições básicas de uma sobrevivência digna fazem parte do cenário cotidiano.

Parece que a única emoção que nos resta é o medo.

Vera França
Professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG
Coordenadora do Grislab

Paulo Basílio
Graduando em Comunicação Social pela Puc-Minas
Voluntário de Iniciação Científica do Gris/UFMG 



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