Análise | Infância, juventude, 3ª idade Violência e Crimes

Denúncia de violência contra criança e crime de imagem

Um crime de violência sexual contra crianças é denunciado – injustamente – num colégio de Belo Horizonte. Os envolvidos são a suposta vítima, de três anos, e o provável autor, um jovem estagiário de 22 anos, sem qualquer atividade suspeita. Ambos sofreram danos graves com o acontecimento.


As delegadas Thaís Degani (esquerda), Elenice Cristine (centro) e Renata Ribeiro em entrevista coletiva. Foto:
Paulo Filgueiras/EM/DA Press.

No dia 04 de outubro deste ano, uma mãe procurou a polícia para denunciar uma suposta violência sexual contra seu filho de três anos, no colégio Magnum, na região Nordeste de Belo Horizonte. Outros dois casos foram relatados nos dias seguintes; ao todo, foram registrados sete boletins de ocorrência. O suspeito, Hudson Nunes de Freitas, de 22 anos, trabalhava no colégio há cerca de dois anos. Ele fora inicialmente contratado através do projeto Escola de Esporte; logo depois iniciou o curso de Educação Física e passou à condição de estagiário. Após as denúncias, Hudson foi afastado, e a polícia iniciou as investigações*. 

Ao final dos trabalhos, não foram encontraram indícios de violência sexual nem na escola nem fora dela. Hudson, ao fim desse pesadelo, foi inocentado e convidado para retomar seu trabalho.**

Este acontecimento lembra uma outra ocorrência de maiores proporções, conhecida como o caso da Escola Base em São Paulo. Em 1994, seis pessoas – os donos do estabelecimento, o motorista do transporte escolar e um casal pais de um aluno – foram acusadas injustamente de violentar sexualmente crianças que frequentavam a escola. O caso alcançou grande repercussão midiática – o colégio foi depredado, os suspeitos estiveram prestes a ser linchados. As seis pessoas foram inocentadas, porém o dano em suas vidas foi irreparável.

Este episódio (tratado inclusive em dois livros***), trouxe várias lições sobretudo quanto ao comportamento da mídia, que desempenhou um papel decisivo nas proporções alcançadas pelo acontecimento e na destruição da vida dos acusados.

No caso do colégio Magnum, a imprensa tomou precauções, evitando assumir a acusação e noticiando sem alarde, assim como a escola, que se colocou disponível face à insegurança dos pais e aberta às investigações, sem tomar posição antes da conclusão do inquérito.

Trata-se de uma situação complexa. Sem dúvida, a pedofilia é um crime hediondo, e não apenas os pais, mas a sociedade deve estar atenta e desenvolver mecanismos permanentes de proteção às crianças. 

Por outro lado, a reputação das pessoas é um bem precioso, capaz de abrir ou fechar caminhos. Uma acusação dessa natureza, se infundada, pode destruir uma vida. 

É importante destacar também que as crianças não saem imunes de um acontecimento desses; mesmo não tendo sofrido danos físicos, quando se veem enredadas (ou até estimuladas) numa trama narrativa desse tipo, são seriamente atingidas pelo peso simbólico da situação criada.

Após o esclarecimento do caso, é fácil atribuir a culpa ao despreparo da mãe (ou dos pais denunciantes) para lidar com a situação.  Porém é necessário buscamos compreender o pano de fundo que orienta comportamentos extremados. E dois fatores podem ser apontados. De um lado, a forte tendência que assola todos os domínios da nossa sociedade de judicializar as questões conflitivas – de muito rapidamente tratar os problemas que enfrenta como “caso de polícia”. Como se a polícia e o judiciário fossem o caminho mais curto e mais certeiro para resolver questões que deveriam antes ser tratadas com auxílio de outros profissionais (no caso, orientadores educacionais, psicólogos).

Como segundo aspecto, e até explicando esse tipo de atitude, estão talvez o desamparo, a insegurança e o medo. As instituições se mostram fracas e desacreditadas, os cidadãos se encontram sem ponto de apoio, a vida está vulnerável. Serenidade e reflexão faltam quando o tecido social está roto. E o nosso se mostra seriamente danificado.

Vera França, professora titular da Comunicação Social da UFMG e coordenadora do GrisLab

*Nova suspeita de abuso sexual em colégio de BH é relatada em reunião de pais

**Polícia não vê indícios de que investigado tenha abusado de alunos do Colégio Magnum

*** RIBEIRO, Alex. Caso Escola Base – os abusos da imprensa. São Paulo: Ática, 1995. p. 46/47.

BONJARDIM, Estela Cristina. O acusado, sua imagem e a mídia. São Paulo: Max Limonad, 2002. P. 105.



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