Solidariedade é a palavra que resume as ações de doação de alimentos realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) durante a quarentena. Seguindo as orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde), e sob o lema “Reforma Agrária contra a Impunidade, produzindo alimentos pro campo e pra cidade!”, pela primeira vez ao longo de 24 anos, o Movimento não fez ocupações e marchas em memória dos mortos do Massacre de Eldorado dos Carajás. No campo, nos assentamentos, acampamentos, coletivos e cooperativas, o MST trouxe a produção de alimento saudável como ferramenta de luta e resistência, em um período em que a fome e as mazelas sociais atingem o povo brasileiro.
Ao todo, foram doadas 500 toneladas de alimentos saudáveis em todo o Brasil, que chegaram às ocupações urbanas, população em situação de rua, periferias, associações de catadores e outros trabalhadores que, por conta da Covid-19, não podem trabalhar e ter renda para sustentar as suas famílias, ou seguem trabalhando em condições adversas. Desde o início do isolamento social, mais de 25 mil refeições foram servidas gratuitamente nos Armazéns do Campo em Pernambuco e no Maranhão, e milhares de litros de leite e de sabão líquido, além de itens de saúde, máscaras caseiras e centenas de cestas básicas foram doadas por camponesas e camponeses do MST.
As ações que marcaram o Abril Vermelho rememoram o Massacre de Eldorado dos Carajás, chacina ocorrida no Pará em 17 de abril de 1996. Na ocasião, a Polícia Militar assassinou 21 sem terra, em uma emboscada para a reintegração de posse do local que hoje é símbolo da luta camponesa. Apesar das memórias de dor da tragédia, o Movimento segue a luta pela reforma agrária e pelas transformações sociais em quarentena, mas não em silêncio diante da crise do Coronavírus, produzindo alimento, arte, cultura e reivindicação de políticas públicas em todo o país.
O coronavírus paralisou o mundo e expôs as contradições do sistema capitalista ao priorizar os lucros e a economia ao invés das vidas de milhões de pessoas. Nesse cenário, o MST segue denunciando o agronegócio e o governo irresponsável e genocida de Jair Bolsonaro de maneira pragmática e cotidiana, plantando, colhendo, propondo novas construções políticas e sociais e fazendo luta para levar alimentos saudáveis para o campo e para a cidade. Assim como a reforma agrária, a crise da Covid-19 só será resolvida com unidade, diálogo com a sociedade e coerência. Enfim, essa ação traz novamente o sentido de uma antiga palavra de ordem do MST, do período do 3º Congresso Nacional, realizado em 1995: “Reforma Agrária, uma luta de todos!”
“A Liberdade da Terra não é assunto de lavradores.
A Liberdade da Terra é assunto de todos quantos
se alimentam dos frutos da Terra.
Do que vive, sobrevive, de salário.
Do que não tem casa. Do que só tem o viaduto.
Dos que disputam com os ratos
os restos das grandes cidades.
Do que é impedido de ir à escola.
Das meninas e meninos de rua.
Das prostitutas. Dos ameaçados pelo Cólera.
Dos que amargam o desemprego.
Dos que recusam a morte do sonho.
A Liberdade da Terra e a paz no campo têm nome:
Reforma Agrária.”
– (trecho da poesia A fala da terra, de Pedro Tierra)
Agatha S. Azevedo, militante do setor de Comunicação do MST e mestranda em Comunicação (PPGCOM-UFMG)