Fortaleza, madrugada de 11 de novembro de 2014, uma mãe em prantos liga para o Samu em busca de socorro para o filho de 9 anos. O marido, após agredi-la e forçá-la a tomar remédios de tarja preta, obrigou também o filho a tomar os mesmos medicamentos e também os ingeriu, na tentativa de cometer suicídio. A criança não resistiu e o pai, em estado grave, foi levado para o hospital.
O assassinato recebeu ampla cobertura da mídia cearense e foi caracterizado como uma tragédia, motivo de tristeza e comoção para a população. As notícias, porém, se aproximaram de um boletim de ocorrência e se limitaram a descrever o acontecimento e a buscar possíveis motivações para o ato. O crime é sempre tratado como um caso particular e isolado, uma tragédia familiar.
Nas matérias, Cristiane, a mãe, assume tanto o papel da vítima, que sofreu com as agressões do marido e com a morte do filho, como o papel de testemunha, sendo sua versão dos fatos adotada como oficial pela mídia e também como base para as investigações policiais. Lewdo, o filho do casal, é a vítima com final trágico. Nada se fala sobre o menino a não ser o fato de ser autista. Já Francileudo é caracterizado sempre por sua profissão, subtenente do exército. Sua atitude é considerada inesperada, por não apresentar histórico de violência, no entanto, ele é considerado o único suspeito do crime e, mesmo em coma, é autuado em flagrante. Mais que o crime, chama a atenção da mídia o fato de ele ter publicado nas redes sociais que cometeria tais atos.
Com a divulgação do laudo de que pai e filho tinham ingerido veneno de rato, o popular “chumbinho”, e não remédios de tarja preta, a versão de Cristiane cai em contradição. Somado a isso, Francileudo acorda do coma e vai a público com uma nova versão dos fatos. O militar nega os crimes e a tentativa de suicídio e acusa a esposa pelo assassinato. O caso ganha então dois suspeitos: Francileudo ou Cristiane, quem é o verdadeiro assassino?
Assim como a polícia, a mídia passa a buscar pistas que indiquem quem é o verdadeiro criminoso. Os comportamentos dos pais são então colocados à prova e apontados como indícios para a resolução do caso. O papel de vítima da mãe passa a ser desconstruído. Suas falas são apontadas como contraditórias e mentirosas. Seu choro é considerado forçado. O fato de ela ter um amante em Recife não condiz com o papel de esposa fiel e dedicada. Além disso, se o motivo do pai não era claro, o da mãe seria dinheiro, já que com as mortes, ela se beneficiaria de dois seguros de vida, além da pensão militar do marido.
Ao contrário da esposa que opta pelo silêncio e não fala sobre o crime, Francileudo se mostra à disposição. Em suas declarações, o militar afirma sua inocência e reforça seu papel de bom pai. Mostra a tatuagem com o nome do filho, expressa tristeza com a perda de Lewdo e o desejo de recuperar a guarda do filho mais novo. Mesmo antes da divulgação oficial do inquérito, percebemos que a própria cobertura midiática tende a inverter os papéis. Francileudo ganha a simpatia e apoio público e passa a aparecer como provável vítima e Cristiane como a “verdadeira” criminosa.
Em abril de 2015, o mistério é desvendado e Cristiane é indiciada como única suspeita da morte de Lewdo e pela tentativa de assassinato do marido. A revelação ganha então grande repercussão nacional e ultrapassa os noticiários policiais. Vale ressaltar que o que chama a atenção para o caso não é o crime em si, mas o fato de Cristiane ter enganado a todos. Um crime quase perfeito, não fosse o fato de o marido ter sobrevivido para contestar a história.
Ao observar a narrativa midiática do acontecimento, percebemos que ela se detém ao crime e a seus personagens. A tragédia familiar ganha destaque, mas não é contextualizada em um quadro mais amplo que envolva outros casos de violência familiar e contra a infância. As reportagens se preocupam em descrever os fatos e encontrar o verdadeiro culpado, mas não incitam o debate, não apresentam medidas de prevenção à violência, apenas exigem a punição do culpado. A morte de Lewdo é narrada para comover, chocar, entristecer, mas não para que a sociedade se mobilize a fim de que outros “Lewdos” não tenham o mesmo final.
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Fabíola Souza
Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação Social da UFMG
Pesquisadora do GRIS/UFMG
Foi importante a análise destacar que a narrativa midiática em torno do crime, dá voz aos personagens e deixa de problematizar a violência doméstica. Para iniciar uma reflexão acerca do tema autismo, sugiro alguns filmes que tratam não desta doença mas da síndrome de asperger também. Link: http://autismoerealidade.org/noticias/19-filmes-que-trazem-o-autismo-e-o-asperger-preparados-para-assistir/
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