Análise | Diário da Quarentena Internacional

Da França para o Brasil: a segurança de se sentir em casa

Sentindo o mundo desmoronar estando fora de casa: foi assim que assisti à “chegada” do coronavírus em Paris, às vésperas de retornar ao Brasil.  Hoje não existe lugar seguro no mundo. Mas se estamos prestes a entrar num verdadeiro pesadelo, é preferível vivê-lo em casa, ao lado dos nossos.

Aeroporto Charles de Gaulle, na França. Foto: Benoit Tessier / Reuters.

Quando eu viajei pra França, no dia 4 de março, o coronavírus ainda era uma ameaça aparentemente distante, a Europa ainda não parecia um lugar de grande risco. Fui aconselhada a não ir – mas o esquema estava todo montado, minha participação numa banca na Paris 3 confirmada. Mantive a programação.

A banca foi no dia 6; havia várias pessoas assistindo, mas o clima já era de muito cuidado. Nada de abraços, apertos de mão; apenas uma confraternização contida. No entanto, na sequência, o grupo de amigos foi comemorar num barzinho; ali, ninguém estava pensando em contágio.

Nos dias seguintes eu visitei exposições, livrarias, tive encontros de trabalho. Com alguns cuidados (nada de toques corporais), a vida parecia normal. Então a doença explodiu na Itália, e o pânico chegou na França. Na quinta, dia 12, o presidente Macron falou à nação, anunciando as medidas de contenção. Ele anunciava o fechamento das escolas e universidades a partir do dia 16, suspensão de atividades com mais de 100 pessoas, restrição de circulação.

Na sexta e sábado tudo se precipitou; novos pronunciamentos ampliaram as restrições, e tudo começou a parar. As ruas de Paris ficaram mais vazias (metrô, ônibus ainda funcionando, mas com pouca gente). No sábado à noite, jantando com amigos num pequeno restaurante, ouvimos a notícia de que à meia noite todos os bares, restaurantes e cafés seriam fechados.

Minha viagem de volta (felizmente!) já estava marcada para o domingo de manhã. De madrugada já estava na porta do prédio esperando o táxi, com aquela sensação de sair de lá o mais rápido possível antes que não tivesse mais jeito. Sabe aquela cena de filme, em que o ator sai correndo e atrás as coisas vão desmoronando? Era assim que me sentia.

Aeroporto cheio, filas, rostos aflitos. Ninguém falando com ninguém. Achei que o voo fosse estar vazio, mas estava quase lotado. 11 horas de percurso até São Paulo; pessoas de máscara, e muita gente tossindo. Tosse de corona, tosse nervosa, tosse “normal”? Nada mais estava normal.

Em Guarulhos muito tumulto de gente também, e muita mistura. Medo de contaminar e de ser contaminada. Só quando entrei no voo para Belo Horizonte eu relaxei.

Não sei se trouxe o vírus; estou tomando todos os cuidados e cumprindo a quarentena. De toda forma, ele já está por aqui, e não existe lugar seguro no mundo hoje. Nesses dias estou me sentindo como se vivesse uma realidade paralela. Olhando tudo com olhos diferentes. Mas me sentindo muito melhor por estar em casa, e no meu país.

Vera França, professora titular de Comunicação Social da UFMG e coordenadora do GrisLab



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