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A violência policial no Brasil tem destinatário

Apesar do isolamento social, a violência policial cresceu no Brasil. As vítimas, em sua maioria, têm cor e endereço certo: são negras e moradoras das periferias brasileiras.

Foto: Nuno Ferreira Santos

Os dados são alarmantes. Em 2019, os policiais brasileiros mataram pelo menos 5.804 pessoas, sendo que destas mortes, 1.810 aconteceram no estado do Rio de janeiro. Os abusos, pouco contabilizados, também são recorrentes. O El País publicou um infográfico que mostra 58 ocorrências de violência ou tortura praticada por policiais no primeiro semestre de 2020. Há vítimas em todos os estados brasileiros, sendo 68% delas negras e residentes em bairros periféricos.

Dois casos recentes nos ajudam a compreender os abusos cometidos na abordagem policial. O primeiro envolve uma mulher de 51 anos e o segundo, um jovem de 19 anos, ambos no estado de São Paulo. A exemplo do americano George Floyd, as vítimas brasileiras não estavam armadas, eram negros e foram sufocados, chegando a desmaiar com a agressão.

A mulher foi agredida em seu local de trabalho, um bar em Parelheiros, distrito de São Paulo. O episódio aconteceu em 30 de maio, mas só ganhou repercussão em meados de julho, após denúncia do Fantástico. Segundo a versão dos policiais (negada pela vítima), a comerciante teria tentado agredi-los com uma barra de ferro. A filmagem, porém, mostra apenas o momento em que a mulher já está deitada no meio da rua. O policial então apoia todo o peso do corpo sobre o pescoço da vítima que desmaia e depois é arrastada para o meio fio. Com ferimentos no rosto, nas costas e uma perna quebrada, ela então foi levada para o hospital e em seguida conduzida para a delegacia, onde foi denunciada por desacato, lesão corporal, desobediência e resistência.

O segundo caso aconteceu no dia 21 de junho em Carapicuíba. O jovem Gabriel estava em sua moto quando foi parado pelos policiais. Fechado subitamente, ele parou a moto, mas acabou colidindo com a viatura. Ao descer do veículo, foi imobilizado por um dos policiais. As gravações de um celular mostram que o rapaz não oferece resistência, mas ainda assim é sufocado, ficando inconsciente.

Infelizmente, as abordagens violentas nas periferias brasileiras são uma prática comum e negligenciada pela sociedade brasileira. O desacato, a desobediência ou uma possível resistência são argumentos suficientes para os policiais justificarem os mais diversos abusos contra a vida das pessoas. Outro fator complicador é o processo de investigação da violência que se concentra nas mãos da própria polícia, o que não só desmotiva a denúncia como intensifica a impunidade. Também é preciso considerar o uso político das polícias e o esforço político e midiático (principalmente de cobertura policial) para a criação de leis que resguardem as práticas de enfrentamento desde que dirigidas ao “criminoso”.

Cabe destacar que a mesma elite que apoia tais abordagens violentas nas periferias é também aquela que, quando abordada pela polícia, parte para o enfrentamento e para a humilhação dos agentes. Ou seja, os policiais são tratados como heróis apenas quando prendem, oprimem e controlam o outro; quando silenciam as vidas e vozes que, para as elites, não têm valor – seja porque não pertencem à mesma classe ou porque representam um posicionamento que difere do seu.

Retomando nossa comparação inicial, a violência policial que matou George Floyd também mata e agride cotidianamente “Floyds” brasileiros. Seus rostos e nomes também são estampados em camisas, cartazes e faixas por seus familiares e amigos. No entanto, esses protestos ainda não conseguem mobilizar outros setores da sociedade brasileira, que até se comovem e indignam nas redes, mas não a ponto de irem às ruas pressionar por mudanças.

Fabíola Souza, professora substituta no Departamento de Jornalismo da UFOP e pesquisadora do Gris



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