A também conhecida como “doença de viagem” tem exposto a desigualdade do Estado de bem-estar, onde os migrantes estão entre os mais vulnerabilizados, tanto por sua condição de indocumentados, que dificulta o acesso às políticas mitigadoras, quanto pela xenofobia em um mundo de fronteiras cada vez mais fechadas.
Muitos têm sido os debates internacionais desde a descoberta do novo coronavírus, em fevereiro deste ano, na cidade de Wuhan, na China. Neste ponto da história, é inquestionável o nível de expansão da chamada “doença de viagem”, que chegou ao sul global e se estabeleceu para revelar suas vulnerabilidades, sobretudo em questões de saúde pública. Alguns especialistas pontuam que, mesmo antes da pandemia ser declarada em nível mundial, a América Latina já registrava um aumento dos índices de pobreza, a persistência das desigualdades e o descontentamento generalizado. A expansão do coronavírus expôs a fragilidade do já malsucedido Estado de bem-estar social e das promessas de inclusão da democracia, acentuando as lacunas históricas de desigualdade e pobreza.
Também deu visibilidade aos segmentos mais invisíveis, pois se é certo que a pandemia impacta a todos os setores da população, também é certo que não afeta a todos igualmente. Os migrantes, por exemplo, compõem um dos grupos mais prejudicados, visto que alguns dependem de trabalhos informais, com salários que não são fixos, além de, em muitos casos, não contarem com documentação do país. Isso significa que as pessoas migrantes não são afetadas da mesma forma, já que a situação irregular as expõe a condições de desproteção social e legal. Dessa forma, a regularização migratória é a chave para a inclusão na sociedade de destino, pois supostamente facilita o acesso aos serviços sociais e , hoje, sobretudo à atenção sanitária. A verdade é que, no marco da quarentena e do fechamento de muitas empresas, os migrantes se somam ao rol das pessoas desempregadas, sem possibilidade de receber um salário e, pela sua situação irregular, não conseguem sequer acessar os benefícios disponibilizados por alguns governos para sanar a crise da população mais vulnerável.
Como se não bastasse, o confinamento obrigatório ocorre em um cenário darwiniano, onde sobrevivem os mais fortes e todos disputam os poucos recursos disponíveis, laborais, salariais, sanitários e assim sucessivamente. Nacionais e migrantes lutam por sair vencedores de uma competição por recursos escassos, onde disputam em condições desiguais. A tudo isso se soma o fechamento “preventivo” das fronteiras como aposta inicial dos Estados, uma medida que auxilia na contenção do vírus mas que restringe o movimento de pessoas e mercadorias e, consequentemente, implica no fechamento das fronteiras dos principais destinos dos migrantes. Em síntese, os Estados voltam seu olhar para dentro como uma necessidade de proteção, porém a incerteza em relação ao futuro da mobilidade internacional é a protagonista.
As respostas não devem apenas contemplar a contenção do vírus: é necessário que articulem a proteção social com medidas direcionadas ao atendimento das demandas mais urgentes e à garantia dos direitos de todas as pessoas, em condições de igualdade e justiça social. Ainda que seja difícil projetar o cenário pós-pandemia, ou com pandemia permanente, é certamente necessário que não retornemos à situação anterior ao coronavírus.
Angerlin Rangel, doutoranda em Ciências Sociais pela Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales – FLACSO Argentina