Análise | Diário da Quarentena Internacional

Na América Latina, diferentes formas de enfrentar a tragédia anunciada

A experiência de enfrentamento da Covid-19 no mundo tem mostrado que, para além da capacidade, qualidade e acesso já existente ou não em cada sistema de saúde, as medidas adotadas pelos governos federais e o comportamento dos cidadãos são fatores fundamentais para fazer frente à tragédia anunciada com alta letalidade e velocidade.

Caixões com vítimas de coronavírus depositados na calçada em frente ao Hospital Guasmo Sur General, no Equador. Foto: Vicente Gaibor del Pino / Reuters

Na América Latina o coronavírus avança de forma exponencial e a postura dos governos nacionais têm variado. Inclui desde a minimização do problema, arrogância, irresponsabilidade e indolência de chefes do Executivo — como ilustrado pelos casos de Jair Bolsonaro, no Brasil, e de Lopez Obrador, no México — até medidas tímidas ou mais radicais para controlar a propagação do vírus.

O Brasil lidera o número de casos entre os países latino-americanos e ocupa a 14ª posição no mundo, conforme o ranking  da Covid-19 que o Observatório da Universidade de Medicina Johns Hopkins atualiza diariamente a partir dos dados oficiais informados pelos governos nacionais.  E os casos no Brasil evoluem rapidamente, diante de um presidente da República que faz pouco caso dos alertas de autoridades sanitárias, como temos mostrado aqui no GrisLab. Em 16 de março, Bolsonaro sequer participou da videoconferência de presidentes de países sul-americanos para discutir medidas conjuntas contra a Covid-19.

Da América Latina, o Observatório da Universidade John Hopkins mostra, em posições mais adiante do Brasil, o Peru (23ª ), Equador (24ª ), Chile (25ª ), México (37ª ), Panamá (41ª) , Colômbia (49ª )  e Argentina (52ª), para citar somente os que aparecem com maior número de casos diagnosticados – embora tenham também menor população que o Brasil. Se falarmos apenas dos vizinhos mais próximos, no Peru e no Chile os governos nacionais têm se esforçado para enviar à população mensagens claras sobre a importância de manter o isolamento social e, assim, evitar o colapso de um sistema de saúde que já é pouco acessível a amplas faixas da população, mesmo em períodos de normalidade.

O Equador, ao contrário, tornou-se notícia mundial na primeira semana de abril pelas cenas semelhantes às de filmes sobre a Idade Média.  Imagens de cerca de 150 cadáveres que jaziam em casas e em ruas da cidade de Guayaquil, a segunda maior do país, eram a parte mais visível do caos vivido em função do colapso dos serviços funerários, da negligência e do despreparo do governo do presidente Lenín Moreno.  

Entre os vizinhos latino-americanos, os exemplos de maior rigor nas medidas de isolamento social vêm da Colômbia e da Argentina. O presidente colombiano, Iván Duque, foi a reboque da prefeita de Bogotá, Claudia López, e decretou quarentena preventiva e obrigatória no país desde o dia 24 de março, prorrogando-a até 26 de abril, pelo menos, a partir de recomendações das autoridades sanitárias e dos dados mostrando o crescimento de colombianos confirmados com Covid-19. O confinamento rigoroso em todo o país tem sido garantido também pela polícia, autorizada a dissolver grupos e a interpelar as pessoas sobre os motivos de sua presença nas ruas. As saídas são permitidas apenas para o essencial (supermercado, farmácia e médico). Além disso, para evitar muita gente nas ruas, as saídas foram organizadas inicialmente pelo número da carteira de identidade e, mais recentemente, por gênero, a exemplo do que foi adotado no Peru. Saídas sem justificativa implicam multas de cerca de R$ 1.000,00. O isolamento obrigatório inclui a própria polícia: 10% da força policial se alterna fazendo rodízio, em quarentena de 14 dias. Às pessoas que estão sem renda, o governo federal tem repassado um auxílio emergencial em torno de R$ 200,00, mas também enfrenta o desafio de fazê-lo chegar até trabalhadores informais.

Na Argentina, o presidente Alberto Fernandez também preferiu não esperar a curva de mortos subir para decretar medidas severas de isolamento social. Orientado  por cientistas, foi um dos primeiros do mundo a decretar preventivamente uma quarentena total e obrigatória desde o dia 20 de março, data em que o país registrava apenas dois óbitos confirmados por Covid 19. O decreto inicial permitia apenas saídas para compra de comida e remédios, e o descumprimento à restrição quase completa de pessoas até 31 de março passou a ser caracterizado como delito contra a saúde pública. A quarentena argentina já foi prolongada por duas vezes: estende-se até 23 de abril, embora já se identifique uma maior circulação de pessoas, principalmente no interior da Província de Buenos Aires. A pressão pela diminuição das restrições vem também dos trabalhadores informais (40% na Argentina), em função do longo período sem trabalho e renda. O governo tem garantido uma assistência aos mais pobres: pratos de comida e um depósito equivalente a cerca de R$ 800,00.

O horizonte aberto pela pandemia do coronavírus mostra que o futuro próximo será difícil também na América Latina. A postura governamental nos vizinhos latino-americanos tem sido diversa, mas nenhum deles ou outros pelo mundo chegaram ao extremo de ter um presidente limpando ranho com o pulso e cumprimentando pessoas nas ruas, incitando os cidadãos a saírem e protestarem contra a quarentena. A Bolsonaro só está faltando defender e organizar manifestações explícitas a favor da pandemia e do coronavírus.

Terezinha Silva, Professora do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisadora associada ao GRIS




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