Análise | Questões socioambientais

O risco em Barão de Cocais: normalizando o acontecimento

A comunidade de Barão de Cocais parece normalizar o risco iminente de rompimento de uma barragem da mina de Gongo Soco.
Crédito: Marlene Machado.

O risco de rompimento da barragem Sul Superior, em Barão de Cocais, cidade de 32 mil habitantes, ainda existe, mas a vida em Barão continua. A possibilidade da cidade ser varrida pela lama de rejeito de minério de ferro da mineradora Vale parece estar entrando na rotina da comunidade.

Barão de Cocais fica a 98 quilômetros de Belo Horizonte. A classificação da barragem continua no nível 3, o que significa risco iminente de rompimento, mas percebe-se um esforço para que a vida siga em frente e o dia a dia possa ser restabelecido, principalmente por parte dos comerciantes, como pude observar em recente visita ao município, por meio de entrevistas com 11 pessoas. “É preciso administrar a insegurança e tocar a vida pra frente”, acredita Valentia Santos*, gerente de uma das principais padarias da cidade. “A vida está voltando ao normal”, afirma a vendedora de móveis Maria Silva*, que mantém dois filhos em uma escola na área de risco. “Isso não me preocupa”.

O secretário da Matriz São João Batista, Lucas Adriano Madeira, assegura que a rotina da comunidade voltou à normalidade. Acredita que “a mídia vendeu uma imagem negativa da cidade”, o que, segundo disse, só trouxe prejuízo a Barão: “As pessoas passaram a evitar Barão de Cocais. Por sorte, isso já passou”.

Assim, a partir das conversas com os moradores e observando o movimento do comércio e nas ruas, nada indica que a comunidade vive à sombra de um possível acontecimento. Ele somente é lembrado pelas ações da mineradora Vale: a pintura na cor laranja dos meios-fios, indicando o percurso da lama; as dezenas de placas orientando os moradores para um local seguro; um carro com alto-falante, da mineradora, estacionado 24 horas por dia, nos sete dias da semana, em frente à igreja matriz, pronto para avisar a comunidade sobre alguma ação de emergência; e os dois simulados realizados.

Crédito: Marlene Machado

Com essas percepções, podemos dizer que o fato de o desmoronamento do talude na mina do Gongo Soco estar se mantendo dentro da cava da mina – como um gatilho, ele poderia acionar o rompimento da barragem Sul Superior – amainou a apreensão que se instalou na comunidade quando houve o acionamento da sirene, indicando a possibilidade de rompimento da barragem, há cerca de seis meses.

O acionar da sirene remeteu ao passado trágico recente, de rompimento de barragens nas cidades mineiras de Mariana e Brumadinho. Mesmo com essa realidade, das 11 pessoas entrevistadas, apenas duas se mostraram receosas quanto ao rompimento da barragem. O comportamento dos entrevistados  e da cidade de forma geral nos remete a uma das etapas da individualização do acontecimento, segundo Louis Quéré: a normalização.

Ossa etapa, conforme França e Lopes (2017, p. 84)[1], configura-se como o momento no qual “a curva de interesse e mobilização em torno do acontecimento desce”, ou seja, o estranhamento provocado por ele “é reduzido ou esquecido e a normalidade readquire seu ritmo”. Com isso, ele é absorvido pela vida e pelo dia a dia.

Porém, ainda que normalizado, nada é como antes depois de um acontecimento. Quase 500 moradores da área mais próxima da mina, chamada de zona de autossalvamento, estão fora de casa desde fevereiro.  Outras seis mil pessoas, que vivem na zona secundária de segurança, cerca de 17 quilômetros distante da barragem, deverão deixar suas casas se a barragem romper.            

Apesar de estarem, aparentemente, conformados com a situação, paira entre os entrevistados uma suspeita: a de que toda a situação em Barão faz parte de uma estratégia da mineradora Vale para se apropriar das áreas na zona de autossalvamento. “A região é rica em minério de ferro e aquelas terras valem muito dinheiro”, afirma um morador, que não quis se identificar. A suspeita tem suas razões: se a ganância é apontada como causa dos rompimentos anteriores, a desconfiança quanto às intenções de medidas propostas pela mineração, ainda que preventivas, desta vez permanece.

Marlene Machado Jornalista, doutoranda em Comunicação  pela UFMG – (Bolsita Capes/Proex), e membra dos grupos de pesquisa Dialorg (PUC-Minas) e Mobiliza (UFMG). marlenemachadobh@hotmail.com


[1] Matrizes – v.11 – nº 3   set./dez.  2017 –  São Paulo –  p. 71-87

*Os nomes destacados foram substituídos para preservar a identidade dos entrevistados



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