Análise | Celebridades e Figuras Públicas

Por trás dos flashes: a face oculta da fama

No último final de semana, a modelo e apresentadora Ana Hickmann chegou a Belo Horizonte para lançar uma coleção de sua marca de roupas. Horas depois, foi rendida por um fã no quarto do hotel onde se hospedava. Segundo seu relato, chegou a ser ameaçada e xingada diversas vezes pelo agressor, que mirou na artista, mas acertou sua assessora e cunhada. O fã acabou morto pelo cunhado de Ana. Nesta análise, olhamos para a relação complexa que se configura entre famosos e anônimos, como tal admiração nem sempre termina bem.

Ana Hickmann após o ocorrido.

Ana Hickmann após o ocorrido.

O glamour que envolve as celebridades cria uma espécie de redoma, faz com que sejam vistas como superiores e intocáveis. São representantes do ápice da beleza e do talento. Quando aparecem nos tapetes vermelhos, são coroadas com muitos flashes e perseguidas por gritos de fãs ensandecidos. A comunicação de massa certamente é parte na construção desse mito da fama ao enaltecer a vitória dos indivíduos que conseguem a façanha de se destacarem na multidão de anônimos.

A modelo Ana Hickmann compõe esse seleto grupo de célebres. Bem sucedida nas passarelas, alcançou seu espaço na televisão e se consolidou como apresentadora da Rede Record. Há anos no estrelato, já tem mais de 17 milhões de seguidores em redes sociais. Um deles tomou conta dos holofotes e tornou visível a complexidade da relação entre célebres e anônimos. O acontecimento em que Ana se viu envolvida no último final de semana, em Belo Horizonte, deixou isso claro.

O fã Rodrigo Augusto de Pádua, de 30 anos, tinha vários perfis em redes sociais declarando seu amor pela modelo. Vendeu seus pertences em Juiz de Fora e se hospedou no hotel em que Ana estava na capital mineira, no dia 21 de maio, quando iria lançar coleção de sua marca de roupas. O que se seguiu foi próximo de um roteiro de cinema: o fã rendeu o cunhado da apresentadora e invadiu o quarto onde ela estava com a concunhada e assessora. Com uma arma em punho, mandou que os três encostassem na parede e atirou, atingindo a outra mulher. O cunhado de Ana resistiu e dominou o fã. Conseguiu tomar o revólver e atirou três vezes, matando o agressor.

O caso foi parar em todas as manchetes dos portais de notícia brasileiros. Afinal, não havia precedentes no Brasil de um caso assim. No entanto, não foi o primeiro ataque a celebridades por seus fãs. John Lennon foi assassinado, em 1980, quando chegava em casa, em Nova Iorque, de um estúdio de gravação. O fã Mark David Chapman, de 25 anos, disparou cinco vezes contra o músico. Quinze anos depois, a cantora norte-americana Selena foi morta com um tiro nas costas pela presidente de seu fã-clube e gerente das butiques que levavam o nome da artista.

Tais acontecimentos revelam a tensão entre famosos e fãs. Em um estudo extenso sobre a relação entre célebres e anônimos, Coelho (1999) percebeu uma tendência do fã em querer ser igual ao admirado ou desejá-lo. É, segundo ela, uma tentativa de também ver sua individualidade ganhar destaque na massa. A aproximação, de acordo com a pesquisa, é a principal estratégia para atingir o estrelato, o que geralmente é frustrado. Ao se dar conta da assimetria na relação, o fã pode mudar de comportamento, desenvolvendo paixão desmedida e agressividade em alguns casos, o que pode levar a atitudes como as citadas acima. Claro, não podemos nos esquecer de que outros componentes podem estar envolvidos em ações como essas, como distúrbios mentais.

Ana Hickmann sentiu na pele o outro lado da fama, o que a sensação no fã da falta de reciprocidade pode gerar. A “falsa” aproximação proporcionada pelas redes sociais parece ter deixado essa assimetria mais aparente. A modelo não havia sequer visto as mensagens de seu agressor. Não é à toa que o cantor sertanejo Lucas Lucco postou um desabafo na Web, na semana passada, após o encontro com uma fã, que reclamou de seu semblante ao tirar foto com ela. Ele disse que estava cansado, que não dormia há cinco dias, mas a menina não se contentou com a justificativa: “Isso para mim não é fã. Uma fã que me conhece não falaria esse tipo de coisa. Desprezo essa falta de respeito, esse lance de achar que artista não é gente”.

Mas até onde conhecemos de fato um famoso? Até onde sua imagem pública é real? E qual o limite dessa relação com o fã? São questões que precisam ser refletidas por ambos para que essa interação seja menos tensa e perigosa.

Juliana Ferreira
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG
Pesquisadora do Gris

 

Esta análise foi escrita a partir de sugestão da autora.



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