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O isolamento social imposto às pessoas com deficiência além dos tempos de pandemia

O Brasil tem cerca de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência e uma legislação que lhes assegura o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais visando à sua inclusão social e cidadania. Mesmo assim, a garantia da acessibilidade é vista, muitas vezes, como favor ou mera exigência burocrática. Tal realidade é marcada por barreiras externas hostis, que impõem a essa parcela da população um isolamento social para além dos tempos de pandemia.

Foto: exposição Fotógrafos Cegos (Museu da Inclusão – SP). Divulgação / Todos os Direitos Reservados

Cerca de 45 milhões de brasileiros e brasileiras têm algum tipo de deficiência, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2010. São pessoas que normalmente enfrentam situações de isolamento social mesmo fora de qualquer pandemia. Em razão da falta de acessibilidade materializada em barreiras físicas e comunicacionais, por exemplo, as pessoas com deficiência têm seu acesso ao lazer, à cultura, à educação e a outras atividades simples e complexas do cotidiano negado ou restringido.

A acessibilidade é vista, com frequência, como favor e não um direito, embora o Brasil tenha, desde 2015, a Lei Brasileira de Inclusão, que “se destina a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoas com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”.

No fim do ano passado, o empresário catarinense Luciano Hang, dono da rede varejista Havan e notável apoiador de Jair Bolsonaro, publicou um vídeo em suas redes sociais reclamando, entre outras coisas, da obrigação de colocar piso tátil e de disponibilizar cadeira de rodas automática em uma de suas lojas, na cidade de Chapecó (SC). As críticas ao que chamou de burocracia provocaram manifestações de militantes da inclusão dos PcDs, que consideraram as declarações do empresário desrespeitosas.

Por serem alvo de comportamentos discriminatórios persistentes em nossa sociedade e temendo exclusão no atendimento durante a pandemia da Covid-19, os integrantes da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência lançaram recentemente o manifesto Todas as Pessoas Importam. O manifesto solicita com urgência que o Estado brasileiro e seus agentes, principalmente os profissionais de saúde, assegurem o cumprimento rigoroso das normas constitucionais e infraconstitucionais que garantem às pessoas com deficiência e suas famílias o acesso a direitos em situações de emergência humanitária. Na prática, as entidades querem evitar que ocorram no Brasil situações semelhantes às que estão sendo investigadas nos Estados Unidos. Lá ativistas denunciaram abandono de pessoas com síndrome de Down, paralisia cerebral e autismo que contraíram a Covid-19, e que não estariam sendo atendidas sob o argumento de falta de equipamentos  e da suposta forma mais lenta que essas pessoas responderiam ao tratamento.

Neste momento, em que muitos praticam o isolamento social e queixam-se de terem limitado o direito de ir e vir em prol da saúde da coletividade, talvez seja possível compreender as dificuldades que a falta de acessibilidade impõe aos cidadãos e às cidadãs com deficiência a qualquer tempo. Também em benefício da coletividade, é fundamental ampliar as vozes que cobram das autoridades e de cada um de nós a eliminação das hostilidades urbanas, que não apenas dificultam ou impedem as pessoas com deficiência de saírem de casa e circularem pelos espaços das cidades, mas também as empurram para uma realidade em que muitos outros direitos, como consequência, são negados.

Thais Araujo, jornalista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC e bolsista da Capes



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