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A volta e a vez dos drive-ins: retrô (restrito) na pandemia

Viemos acompanhando no Diário da Quarentena as iniciativas e rumos no campo do entretenimento em meio à pandemia: as lives de artistas e festivais online, por exemplo, já foram febre e seguem ocorrendo. Mais recentemente, parece ser a vez dos drive-ins — de cinema, shows, pregações e até compras.

Com o início das medidas de isolamento social, as lives invadiram o cotidiano, não só do entretenimento, de modo geral, mas também do trabalho e da família. No caso de muitos artistas no Brasil, a iniciativa se transformou em superproduções periódicas, que vêm alcançando grande audiência, doações e, em alguns casos, críticas, devido ao desrespeito às normas de distanciamento e não aglomeração (veja caso recente envolvendo a dupla Jorge e Mateus em Brasília).

Mais recentemente, a mediação da tela parece ter dado lugar (ou se somado) à “mediação do carro”, aproveitando a pulsão de muitos de buscar lazer fora de casa. Seguindo tendência internacional, cinemas drive-in têm reaparecido em várias capitais e cidades médias — até antes da pandemia o “Cine Drive-In” de Brasília era considerado o último do país. No entanto, mais novidade ainda são os drive-ins de shows, nos quais muitos artistas e empresas têm apostado. Nesse caso, estádios e grandes arenas são adaptados para receber dezenas, centenas de carros — cada um com, no máximo, três ou quatro passageiros-espectadores, como manda uma das regras de isolamento adotadas. Dentre os casos de sucesso repercutidos, está o do pastor e influenciador digital Deive Leonardo, cujas pregações no Allianz Parque, em São Paulo, tiveram os ingressos esgotados em menos de um minuto.

Artistas como Roupa Nova, Jota Quest, Simone & Simaria e Anavitória também já aderiram a esse novo formato em crescimento. Mas há também os artistas que se recusam a embarcar nessa onda. Pabllo Vittar, por exemplo, se manifestou dizendo que enquanto não houver vacina contra a Covid-19 e as pessoas ainda estiverem morrendo, não vai para o palco.

O clima retrô com toques de futurismo tem sido o ponto mais destacado na cobertura da mídia no caso dos shows e cinemas: em alguns casos, o som é ouvido (e personalizado pelo espectador) no sistema de cada carro, sintonizando-se certa frequência no rádio. Para ir ao banheiro ou comprar comida e bebida, agenda-se por meio de aplicativo de celular: tudo para não haver aglomerações. Buzinas e faróis piscando se somam aos gritos e aplausos.

Na repercussão do acontecimento, a mistura entre futuro e passado vai dando o tom do “novo normal” do entretenimento. Cabe destacar dois sentidos principais a partir do fascínio desse retrô tecnológico.

É, de fato, interessante que se tenha encontrado “no passado” uma alternativa aparentemente segura para diferentes formas de lazer e atividades afins na pandemia, inclusive reaquecendo o setor, gerando emprego. Por outro lado, é importante ter em mente a quem se dirige a nova proposta cultural: a onda retrô é “pra quem pode”, é claro, “pra quem tem” — primeiramente, carro, o que significa aproximadamente 25% da população brasileira, levando em conta dados do Denatran no ano passado. No caso da alternativa ser ir com quem tenha, é o isolamento social que pode estar em jogo. Além disso, ainda que mantenha em alguns casos a faixa de preço de sessões e shows do “antigo normal” ou cachês mais baixos, há de se convir que os custos têm pesado muito mais para a maioria da população.

A flexibilização do isolamento social já é realidade em várias cidades, mesmo que a vacina e principalmente o controle real da doença ainda estejam distantes. Até que ponto o frenesi de alternativas do “novo normal” é, de fato, normal? No início de julho, repercutiram imagens de um shopping em Botucatu (SP), com carros passeando literalmente dentro do shopping, circulando por entre as lojas, disponíveis para “retirada de produtos”, segundo informado. Será que a perspectiva é mesmo transformar tudo quanto for possível em drive-thru e drive-in?

Samuel Silveira, Apoio Técnico do Gris. Bacharel em Comunicação Social pela UFMG



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