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Estamos sofrendo mais? A comparação entre as pandemias pelo mundo

Depois de instaurada a pandemia do novo coronavírus, a imprensa começou a publicar reportagens que tentam traçar uma comparação entre os impactos sociais da Covid-19 e os registrados em surtos que já assolaram o mundo, como a gripe espanhola, em 1918. Número de mortes e a forma de como sociedades reagiram aos vírus ganham destaque na mídia.

Foto: Istock / Powerofflowers

A decantação é o processo físico que possibilita a separação de substâncias heterogêneas. Pode-se dizer que, a partir disso, é possível entender as partes de um todo e, a partir daí, traçar as próximas ações. É o que acontece no jornalismo. Vamos a um exemplo prático. As primeiras notícias sobre um novo vírus começaram a circular em dezembro de 2019 e vinham da China. Ainda longe do território brasileiro, a doença parecia apenas mais uma daquelas tragédias que estariam prestes a assolar países distantes e que nós, brasileiros, só poderíamos lamentar. Ledo engano. Ela chegou por aqui também. E nos afetou.

Autoridades públicas e de saúde começaram a aconselhar o isolamento social. Não demorou muito e a medida veio em forma de leis municipais e estaduais, obrigando comerciantes a fecharem seus estabelecimentos não essenciais. Hospitais de campanha (lembrando os filmes de guerra) começaram também a ser montados nas capitais brasileiras. Os modos de viver na urbe foram transformados e ressignificados, literalmente, da noite para o dia.

O acontecimento é assim. Ele emerge na superfície, muda a ordem natural das coisas e abre um leque de possíveis (O que virá depois?). Mas ele também convoca um passado. É nesse momento que os veículos de comunicação impressos, de rádio ou eletrônicos começam a produzir reportagens no intuito de comparar a atual pandemia do novo coronavírus com outras que atingiram o mundo. A ideia, talvez, seja a de colocar o momento atual em uma espécie de campo da normalidade e mostrar às pessoas que, apesar de assustador, já enfrentamos algo semelhante em outros períodos da história.

Além de destacarem o número de mortes que cada um dos surtos causou, as reportagens tentam traçar comparações em relação à forma como a sociedade reagiu ao problema em outras épocas. Essa questão vem à tona em função da resistência atual de muitas pessoas (inclusive, o Presidente da República) de aceitarem o fato ou de cumprirem as medidas de isolamento social, recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a medida mais eficaz para conter o avanço do vírus.

Não são poucas, portanto, as reportagens que comparam a pandemia da Covid-19 com a da Gripe Espanhola, de 1918/1919, por exemplo, que teria matado entre 50 e 100 milhões de pessoas em todo o mundo.

E conforme relatos de historiadores, há semelhanças de comportamento da população em relação ao vírus do início do século XX com o de agora. Houve quem discordasse da importância da gripe, quem furasse as medidas de contenção da doença; por outro lado, registrou-se também uma rede de solidariedade para ajudar os mais vulneráveis.

Depois do fenômeno da decantação, é possível enxergar melhor os elementos em meios à miscelânea de informações, sensações e sentimentos confusos. Convocar o passado é uma maneira de aceitar o problema e enfrentá-lo com armas diferentes das que foram usadas em outros tempos. O passado serve para corrigir as ações do presente e nos prepararmos melhor para o que virá depois.

Rafael Campos, jornalista e mestre em Análise do Discurso pela Faculdade de Letras (UFMG)



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