Celebridades costumam encantar e despertar projeções do que os anônimos gostariam de ser. Mas elas podem também decepcionar e atuar como modelos negativos. O assédio a uma repórter cometido pelo cantor Mc Biel mostra como o Brasil passa por um momento de reorganização de valores, não dando mais tanto espaço a famosos que insistem em manter uma cultura do machismo.
Os famosos são, geralmente, referências de pertencimento no mundo. No entanto, nem sempre se firmam como modelos de conduta. Pelo contrário, podem figurar como exemplos do que não queremos ser. Em geral, atitudes que contrastam com os valores vigentes levam à derrocada – pelo menos momentânea – da personalidade pública.
De queridinha da Disney, a atriz Lindsay Lohan acabou perdendo espaço em Hollywood após episódios de roubo, brigas e prisões. A carreira de Winona Ryder nunca mais foi a mesma após ser flagrada furtando roupas de uma loja de luxo em Bervely Hills. Mais recentemente, o cantor Chris Brown perdeu muitos fãs quando foi acusado de agredir a namorada e também cantora Rihanna.
No Brasil, a situação não é diferente. Um acontecimento envolvendo um funkeiro revelou que há uma mudança de consciência social em curso. O jovem cantor Mc Biel, que vinha angariando fãs pelo país e aparecia cada vez mais nos meios de comunicação, manchou sua imagem. Ele foi acusado de assédio por duas jornalistas. Em entrevista a uma repórter do portal IG, o artista de 20 anos chamou a jornalista de “gostosinha” e disse que “a quebraria no meio” fazendo referência a relações sexuais. O áudio vazou na imprensa, que repercutiu o caso no contexto em que o país ainda discutia o estupro coletivo de uma menina de 16 anos no Rio de Janeiro. Enquanto mulheres se engajavam nas redes sociais e nas ruas, Mc Biel apareceu como mais um representante de uma cultura que ainda subjuga o sexo feminino. Afinal, são 500 mil casos de estupro por ano no Brasil, dos quais apenas 50 mil são denunciados, segundo o Ipea.
Em meio a tanta comoção, as declarações de Biel não passaram ilesas, o que faz desse acontecimento um divisor: parece-nos que os fãs não toleram da mesma forma ações opostas à transformação de consciência que os atinge. Não surpreende o funkeiro ter sido excluído do evento da passagem da tocha olímpica em Fortaleza e vetado de alguns programas da TV Globo, onde tinha participações já marcadas. Além disso, estima-se que ele tenha perdido cerca de R$ 1 milhão em contratos publicitários com a polêmica. Vendo a situação agravante, o Mc fez um vídeo pedindo desculpas e contratou uma equipe de gerenciamento de imagem.
O reconhecimento do erro demonstra uma tentativa do famoso de reassumir seu antigo status, assumindo a culpa e pedindo absolvição.
Ao mesmo tempo em que este acontecimento abriu espaço para a crítica de alguns valores, claramente, no futuro próximo, será preciso mais engajamento contra a cultura que perpetua o machismo, pois ainda há quem se identifique com posturas como as de Mc Biel. Depois da confusão, internautas começaram a postar a hashtag #BielGostosinhaÉSuaIrmã, sem perceber que a crítica ao cantor também era assédio e ofensiva a uma menina de apenas 15 anos.
Assim, vemos como célebres e anônimos são relevantes nesse processo de discussão e reorganização dos valores sociais. Pela grande visibilidade, as celebridades podem servir como contraidentificação, um molde que não nos cabe mais. Que Mcs Biel, Kadus Moliterno, Dados Dolabela, Netinhos de Paula, Seans Penn, Johnnys Depp e tantos outros sirvam de modelos negativos, demonstrando que a fama pode ajudar a provocar mudança social.
Juliana Ferreira
Mestranda do PPGCOM-UFMG
Pesquisadora do Gris
Esta análise faz parte do cronograma oficial de análises para o mês de junho, definido em reunião do GrisLab.
[…] acontecimentos marcaram sua trajetória profissional. No GrisLab, já falamos deles. Biel disse que “quebraria” uma jornalista ao meio, fazendo alusão a atividades sexuais, e, logo após, anunciou o fim da carreira por causa da repercussão negativa. Agora, um novo […]