Confinadas em casa como um terço da população mundial, as celebridades continuam se fazendo visíveis. No entanto, o que tem vindo à tona neste momento de crise global são questões sociais e econômicas que antes eram ignoradas ou naturalizadas.
O universo das celebridades continua plural e para todos os gostos, tal qual antes da crise sanitária global que se instaurou com o novo coronavírus. Lives com aulas de yoga, línguas estrangeiras, dicas culinárias, momentos de auto-ajuda, desafios bobos, ad infinitum, pipocam aos montes nas redes sociais digitais dos famosos, parte da adaptação do ser célebre nesses tempos de pandemia. Buscando ajudar seus públicos a enfrentarem o vírus e os dramas do isolamento social, as celebridades vêm se manifestando cada qual de seu modo.
“Ficar em casa é meu superpoder”, contou Gal Gadot, intérprete da Mulher-Maravilha e uma das estrelas em ascensão em Hollywood, em meados de março de 2020. Nessa mesma época — que aparentemente deixou as pessoas mais desnorteadas do que agora — Gadot teve a iniciativa de convidar diversas celebridades estadunidenses para fazer um cover da música “Imagine”, num “estilo” TikTok: um cantava um verso, o outro completava, todos direto de seu confinamento pessoal. O resultado repercutiu tanto quanto foi criticado e, pessoalmente, não o recomendaria para quem necessita de uma injeção de ânimo nesses tempos difíceis. É claro, uma versão brasileira foi feita, com a música “Trem Bala”, que acertou ao despertar sentimentos semelhantes à iniciativa estadunidense.
À procura de desempenharem um papel social, célebres quarentenados se esforçaram para incentivar que as pessoas ficassem em casa, postando constantemente fotos e vídeos nas redes sociais para conscientizarem seus públicos. Bom, o que se revelou é que a quarentena das celebridades era bem diferente daquela do sujeito médio: closets do tamanho de apartamentos, cabanas rústicas nas montanhas e obras de arte enfeitando as paredes passaram a emoldurar os vídeos e oferecer (mais) uma janela para o mundos dos ricos e famosos. O exemplo mais icônico é o de Jennifer Lopez, que mostrou o quintal da casa onde estava confinada com a família e atraiu comparações (não muito positivas) com o filme “Parasita”.
Um outro ponto marcante foi a confirmação do diagnóstico positivo de Tom Hanks e sua esposa, Rita Wilson, para a Covid-19 – talvez o primeiro caso de uma celebridade com grande repercussão. Passada a comoção e eventual cura dos dois, muitos se perguntaram: num país como os EUA, onde não existe um sistema público de saúde e pessoas com sintomas não estavam sendo testadas, o que era necessário para confirmar o contágio? Ser uma celebridade? No Brasil, o caso mais comentado foi o da influencer Gabriela Pugliesi, que testou positivo após o casamento da irmã, recheado de figuras ricas, famosas e que acabavam de ter voltado da Europa, então epicentro da epidemia. Para completar, Pugliesi fez o famoso textão demonstrando autoconhecimento com um “agradecimento” ao vírus. Resultado: foi “cancelada” pelos públicos que tanto a celebram.
Como bem lembrado pelo New York Times, celebridades podem ser extremamente ricas, mas não compõem necessariamente o tal “1%”, encabeçado por figuras obscuras e detentoras de somas estratosféricas (e que estão convenientemente silenciosas durante a pandemia). No entanto, são as celebridades que exibem e abrem, deliberadamente, uma janela pública para seu estilo de vida privado, frequentemente de luxo e sofisticação. Neste momento de crise, onde a incerteza social e econômica cresce com demissões em massa, aumento de inflação e risco de propagação do vírus, tais firulas, antes alvo de desejo, se tornam evidências, concretas e acessíveis a um vislumbre da tela do celular, de um mundo extremamente desigual.
Porém nem todos tentam salvar a humanidade com cantorias ruins e virais nas redes sociais. Lady Gaga, que adiou o lançamento de seu novo álbum e trocou a peruca rosa por um cabelo sóbrio e óculos de acetato, compôs o look ativista-filantropa-graduada-em-Harvard para divulgar que havia conseguido uma doação de US$ 10 milhões do CEO da Apple, Tim Cook, para a Organização Mundial de Saúde (OMS). Na mesma colaboração com a organização internacional, Gaga organizou o festival online “One World: Together at Home“, que arrecadou cerca de US$ 128 milhões durante suas quase 6 horas de exibição.
O que ilustram essa e outras ações — algumas das quais o caminho para o inferno está cheio — é o abismo que separa célebres e anônimos; não apenas no que diz de publicidade, mas também de condições sociais e econômicas. Tal diferencial de poder reluz sua face visível nesses momentos de crise. Alguns estão se empenhando para direcioná-lo aos esforços de combate ao vírus; outros aproveitam para desfrutar do conforto que isso lhes garante enquanto o mundo arde.
Pedro Paixão, Graduando em Jornalismo pela UFMG e integrante do Gris