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Cloroquina: a “fórmula mágica” para acabar com a Covid- 19?

Desde que um polêmico cientista francês, chamado Didier Raoul, apresentou um estudo no qual concluía que o uso da hidroxicloroquina seria um tratamento seguro e eficaz contra a Covid-19, a notícia ganhou dimensão mundial. Alguns governantes ficaram convencidos de que a ciência havia encontrado a “fórmula mágica” para controlar a pandemia, que há meses afeta a vida da população de todo o mundo.

A cloroquina é um medicamento já conhecido e utilizado no Brasil para algumas doenças, como artrite, lúpus eritematoso, doenças fotossensíveis e malária. Foto: Diego Vara / Reuters

A cloroquina é um medicamento já conhecido e utilizado no Brasil para doenças como artrite, lúpus eritematoso, doenças fotossensíveis e malária. Mas a utilização para o tratamento da Covid-19 é inédita e essa prática é conhecida como  off label, que é quando um fármaco é utilizado para uma indicação diferente daquela que foi autorizada pelo órgão regulatório no país.

Em 08 abril, um polêmico cientista francês, chamado Didier Raoul, da Universidade de Medicina de Marselha, apresentou um estudo científico, com algumas falhas metodológicas sobre o uso do medicamento contra a covid-19. A pesquisa dele concluía que a hidroxicloroquina, associada ao antibiótico azitromicina e administrada imediatamente após o diagnóstico da Covid-19, seria um tratamento seguro e eficaz contra a doença.  Pesquisadores pares de Didier criticaram a metodologia do estudo e também o grupo reduzido de pacientes pesquisados, cerca de 30 pessoas. Eles alertaram sobre a necessidade de análises mais aprofundadas e sobre os efeitos colaterais da droga, como arritmia cardíaca, especialmente devido ao fato que os pacientes com covid-19 apresentam maior fragilidade do ponto de vista cardiovascular, provocada pela doença.

Contudo, esses resultados iniciais ganharam ressonância mundial e chamaram a atenção de diversos governantes por todo o mundo, especialmente do presidente americano, Donald Trump e de seu assecla brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro, que passaram a defender publicamente o uso do medicamento como sendo a “verdadeira cura da Covid-19”.

A lógica discursiva adotada por ambos deixava evidenciado que o problema da Covid-19 seria resolvido, porque agora haveria um medicamento para tratamento da doença. Mediante esse raciocínio, seria possível modificar a maneira como os países vinham conduzindo as medidas de contenção do vírus e, inclusive, indicar a liberação do isolamento social e a abertura plena da economia e de todas as atividades. 

Essa crença fez Bolsonaro travar uma verdadeira briga interna com seu, até então, aliado e ministro da Saúde, o médico Henrique Mandetta, que era publicamente contra o uso de um medicamento sem estudos científicos confiáveis. Acredita-se que esse foi um dos principais motivos para a queda do então ministro, em abril.  A mesma motivação teria sido a causa da saída do também médico Nelson Teich, que substituiu Mandetta e não ficou nem um mês no ministério, pedindo exoneração em 15 de maio. 

No lugar de Teich, Bolsonaro colocou o general de divisão do Exército Eduardo Pazuello, que era secretário-executivo do Ministério da Saúde. Ele assumiu interinamente o cargo de Ministro, mas permanece até hoje. Pazuello não é profissional de saúde, não tem histórico de atuação na área e seu período no cargo tem sido marcado por medidas controversas. Uma delas foi a publicação do protocolo de uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para tratamento de casos leves da Covid-19, já que, até então, havia protocolo somente para casos graves.  O documento gerou polêmicas, porque, inicialmente, não constava  a assinatura de especialistas técnicos ou médicos como responsáveis, o que foi acrescido no outro dia, mas sem a assinatura do ministro interino. 

Recentemente, em 10 de junho, Pazuello voltou a ser destaque na mídia, porque disse, em discurso, que as regiões Norte e Nordeste do país já passaram por sua pior fase da pandemia, porque representam o Hemisfério Norte, na posição geográfica e sofreram mais com o inverno. Sua gestão também tem sido marcada pela falta de transparência na divulgação dos dados da pandemia. 

Enfim, o que se nota, até o momento, é que não há evidências científicas conclusivas que comprovem a eficácia do uso off label  da cloroquina e/ ou da hidroxicloroquina para tratamento da Covid-19.  Além disso, um estudo publicado em maio na revista científica inglesa The Lancet, realizado com mais de 96 mil pessoas internadas com sintomas da doença em 671 hospitais de seis continentes, indicou que quem tomou hidroxicloroquina e cloroquina teve aumento significativo do risco de morte pela COVID-19. Conforme os pesquisadores, não foi possível comprovar qualquer benefício da administração da cloroquina ou da hidroxicloroquina.

Porém, em 04 de junho três dos quatro autores do estudo que invalidou o uso da cloroquina e do seu derivado, a hidroxicloroquina, em casos de Covid-19, afirmaram não ser  possível garantir a veracidade dos dados do estudo. Assim, eles pediram a retirada do documento que contesta a pesquisa com a cloroquina, da publicação.

Diante de todo esse cenário de controversas, a reflexão que fica é que as respostas da ciência necessitam de tempo e de maturação e não virão em meses. Já a fórmula até agora conhecida, e nem um pouco mágica, para tentar conter e evitar contaminação por Covid-19 é composta por medidas de isolamento e distanciamento social, higiene, políticas públicas que garantam saúde e condições econômicas e sociais adequadas para as pessoas sobreviverem neste período.

Vívian T.N. Campos, doutoranda em Comunicação pelo PPGCOM/UFMG e jornalista pela UFMG.




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