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Gretchen: quando o “bobo da corte” é a bola da vez

A parceria entre a popstar estadunidense Katy Perry e a cantora brasileira Gretchen pegou os internautas de surpresa. Mas, segundo as duas cantoras, foram eles os grandes responsáveis pela participação de Gretchen no lyric video da música Swish Swish. Katy Perry conheceu a eterna Rainha do Bumbum através dos memes dela que têm circulado na Internet. Mas o que essa identificação dos internautas com os GIFs da cantora diz sobre ela e sobre nós? Seria apenas uma simples ridicularização, ou esse acontecimento pode apresentar outras dimensões da relação entre o público e a cantora?

Fonte: Divulgação

Depois que Gretchen estrelou o lyric video da música Swish Swish, da popstar Katy Perry, a cantora brasileira voltou a percorrer o país fazendo shows em casas noturnas, apresentando como atração principal a dublagem da música  da cantora estadunidense. Desde a década de 1980, quando lançou seu último grande sucesso (“Melô do Piripipi”), a cantora não encarava uma agenda tão movimentada.

A parceria inusitada surgiu quando Katy Perry conheceu os “memes” de Gretchen, que têm feito um imenso sucesso na rede. Nos últimos anos, os brasileiros têm “quebrado a Internet” (como se diz nas mídias sociais) com GIFs da cantora representando situações bem humoradas que geram identificação quase instantânea em um grande número de internautas.

Além dos GIFs de Gretchen, os brasileiros têm exportado diversos outros memes que têm feito bastante sucesso entre internautas de outros países, como o da personagem Nazaré (Renata Sorrah), da novela Senhora do Destino, tentando fazer cálculos matemáticos, ou os GIFs da Cuca, do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que foram febre nos Estados Unidos neste ano.

O que faz com que personalidades como Gretchen, ou personagens fictícias como Nazaré e Cuca tenham esse potencial para gerar identificação não só em internautas brasileiros como também fora do país? É bastante conhecida a premissa de que a cultura da Internet é marcada pela remixagem e pelo humor. Porém, o que talvez fuja a uma visão mais superficial dessa linguagem é que a significação em torno de figuras aparentemente ridicularizadas em determinados ambientes online por alguns grupos vai muito além do “rir de”, vai ao “rir de si mesmo a partir de”, e passa pela construção de um afeto com essas figuras, ressignificadas a partir do pastiche.

Esse tipo de relação entre remixagem, ridicularização, identificação e afeto não é criação da Internet. A comunidade LGBT, um dos grupos de recepção da cultura pop mais ativos no ambiente online, já lidava com a própria representação, identidade e cultura de modo semelhante anteriormente. Pode-se perceber traços da mesma lógica, por exemplo, na caracterização estereotipada de drag queens dublando cantoras femininas, que, ao contrário do que tende a parecer, não busca ridicularizar o feminino, e sim expressar a admiração e a identificação sentidas por ele.

Os vacilos e os micos de Gretchen não servem para que os internautas que se identificam com os memes da cantora se sintam superiores, mas para que eles se lembrem de que são iguais. O herói contemporâneo não segue o modelo grego da perfeição inalcançável, ele reflete nossos próprios defeitos. Nesse momento, o bobo da corte toma o lugar do olimpiano.

Vanrochris Vieira
Mestre em Comunicação pelo PPGCOM-UFMG e professor da Universidade Vale do Rio Doce
Pesquisador do Gris



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