Análise | Diário da Quarentena Infância, juventude, 3ª idade

Idosos e coronavírus: não é apenas teimosia

Taxar de teimosos os mais velhos que não respeitam o isolamento social é uma simplificação injusta. Para o idoso, a Covid-19 causa menos medo do que a possibilidade de perder a autonomia e de enfraquecer os poucos laços que ainda lhe restam — e que estão justamente do lado de fora do portão de casa.

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

“Minha mãe me dá mais trabalho que meus filhos”; “Tem que implantar o caminhão cata-velho mesmo”; “Eu não sei por que esse bando de idoso não fica quieto”. Tais enunciados são frequentemente ouvidos durante o período da quarentena. A dificuldade dos familiares em manter pessoas mais velhas em isolamento e a insistência dessa parcela da população em sair de casa têm gerado um enquadramento preconceituoso e quase unânime: “velho é tudo teimoso”.

No entanto, é preciso complexificar a questão. Mesmo quando necessita de cuidados, o idoso não pode ser comparado a uma criança. A criança deve ser orientada, pois não sabe ainda como enfrentar os desafios da vida. Já os mais velhos, que representam 13% dos brasileiros, acumularam conhecimento durante décadas. Possuem um repertório e é difícil para eles admitirem que, em alguns casos, se tornaram pessoas dependentes. Quando são tratados como incapazes de fazer uma simples escolha (sair ou não, tomar um remédio ou não, usar máscara ou não), podem se sentir infantilizados, ver sua dignidade desrespeitada e sua trajetória desconsiderada. O temor de perder a autonomia faz com que muitos cidadãos acima de 60 anos insistam em se comportar segundo seus parâmetros, segundo suas preferências.

Também na “terceira idade” vivencia-se uma drástica diminuição no número de interações interpessoais. Os filhos saíram de casa e muitos amigos/parentes faleceram. Geralmente, os idosos moram sozinhos, com o cônjuge ou um cuidador. Além do coronavírus, a solidão também pode adoecê-los. O contato com a vizinhança traz o alento de que ainda lhes restam alguns laços afetivos. Daí a necessidade de ver como está a rua, observar o que tem de novidade, cumprimentar vizinhos e conversar com comerciantes do bairro.

Isso não significa que os mais jovens não devam orientar pais e avós. Mas não se pode esquecer que eles são sujeitos sociais, com desejos e formas de lidar com a vida. Especialistas sugerem: evite o confronto e passe a enxergar os idosos como adultos que são, demonstrando mais empatia pelo que está por trás do comportamento insistente. Esta pode ser uma saída para conseguirmos avançar na tentativa de garantir saúde aos que pavimentaram nosso caminho até aqui e que, hoje, encontram-se entre os mais vulneráveis à pandemia.

Raquel Dornelas, Doutoranda em Comunicação pela UERJ, com financiamento Capes. Mestre em Comunicação Social pela UFMG



Comente

Nome
E-Mail
Comentário