Análise | Diário da Quarentena Questões indígenas

O enfrentamento do vírus e da mortalidade em comunidades indígenas

Após um aumento de 800% das mortes de indígenas por Covid-19 em apenas duas semanas, comunidades se organizam para tentar contornar a negligência do governo.

Foto: Fernanda Ligabue

Sabe-se que a população indígena brasileira sempre foi muito vulnerável às doenças trazidas por pessoas de outros continentes e que a chegada de bactérias e vírus às terras tupiniquins sempre foi sinônimo de extermínio para muitas etnias devido à alta taxa de mortalidade. Muitas das comunidades indígenas estão hoje concentradas na região Norte, que reúne mais de 60% das localidades indígenas. A maior parte está no Amazonas, estado cujo sistema de saúde já entrou em colapso devido à pandemia. Já foram registrados óbitos de indígenas em Amazonas, Pará, Roraima e Amapá.

A Covid-19 fez vítimas fatais de faixas etárias diversas; o mais jovem é um adolescente Yanomami. Pelo menos dez já faleceram, segundo a APIB, e 85 estão doentes em áreas rurais, mas a subnotificação é tão certa quanto a tragédia anunciada pelo vírus. Em apenas duas semanas, as mortes de indígenas aumentaram 800%. Ao passo que há maior chance de jovens se recuperarem, a preocupação de muitas aldeias é justamente com os mais velhos, que acumulam saberes sobre saúde, rituais religiosos e processos de cura, conhecimentos essenciais ao enfrentamento de uma pandemia.

As dificuldades de sobrevivência tentam ser dribladas pelo financiamento coletivo de uma comunidade Wotchimaücü, que reside na periferia de Manaus e não recebe atenção à saúde por não estar aldeada, e está também exposta no relato de Maria Valdelice, Cacique do Povo Tupinambá de Olivença-BA, para quem a fome já chegou. Há ainda a iniciativa de recolhimento de doações de alimentos e produtos de higiene em Belo Horizonte pela professora Avelin Buniacá.

Contornar as dificuldades advindas da pandemia é também lidar com um problema de mão dupla. Estar aldeado em comunidades rurais auxilia quanto ao reconhecimento do grupo e do território por instituições como a Fundação Nacional do Índio. Mas muitas pessoas não têm CPF, acesso à internet e para solicitar o auxílio emergencial de R$600 têm que se deslocar e se expor nas cidades grandes. Por outro lado, aos indígenas agrupados em comunidades urbanas, o acesso a documentos e internet é mais fácil, mas a eles é negado o reconhecimento como “povo indígena”.

O 16º Acampamento Terra Livre, que ocorre nesta semana, tenta se articular e resistir à única coisa que é comum a todos os povos indígenas brasileiros: a negação sistemática de direitos.

Tamires Ferreira Coêlho, professora do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFMT, doutora em Comunicação pela UFMG e jornalista




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