Análise | Diário da Quarentena Mídia e tecnologia

Opinião no jornalismo, sim, falta de ética, não

A pauta “pandemia do novo coronavírus” está em todo e qualquer telejornal nos últimos meses. Em alguns, posicionamentos e opiniões geraram repercussão um tanto quanto negativa — e não é para menos.

Na noite de quarta-feira, 6 de maio, o nome de William Bonner se tornou um dos assuntos mais comentados do Brasil no Twitter. Isso porque o apresentador do Jornal Nacional, da TV Globo, fez um discurso emocionante durante o programa, relembrando aos telespectadores a gravidade do momento que estamos vivendo.

“Hoje são 8.500, amanhã a gente não sabe. Quando é assim, o baque só acontece quando quem morre é um parente, um amigo, um vizinho”, disse o jornalista. Em sua fala, Bonner salienta que, com o passar dos dias, o número de mortos pelo vírus acaba sendo banalizado, o que dilui o real significado dessas informações.

Mas não é só sensibilidade/sensibilização que tem marcado o tom dos jornalistas e telejornais nesse período. Outros tipos de comentários e posicionamentos têm repercutido fortemente junto ao público.

A colega de emissora de Bonner, Leilane Neubarth, fez comentário no Twitter sobre o termo lockdown, sugerindo que precisaria ser substituído por outro de entendimento mais fácil no Brasil. O “argumento”: “acabei de ouvir de uma amiga que tem parentes no nordeste que, por lá, muita gente está se perguntando se ‘lockdown’ é nome de remédio”.

O apresentador Marcão do Povo, do programa Primeiro Impacto, exibido pelo SBT, gerou revolta ainda pior nas redes sociais ao sugerir que o governo criasse um “campo de concentração” para o isolamento das vítimas de Covid-19. Ele ainda criticou a ação dos governadores e sugeriu que, ao decretar estado de calamidade, o reflexo negativo cairia na economia, afetando diretamente o bolso do trabalhador.

Um mês depois, o erro de posicionamento — para não dizer coronelismo midiático — na emissora veio de cima. Após a edição de 22 de maio do SBT Brasil ter pautado o fatídico vídeo da reunião ministerial (assim como toda a imprensa ), Silvio Santos “simplesmente” impediu a edição do dia seguinte de ir ao ar, para não desagradar mais o governo de seu “patrão” –  termo já usado por ele próprio.

Já o apresentador do Alerta Nacional (Rede TV!), Sikêra Junior, acabou parando de minimizar a pandemia e as medidas de isolamento em seu programa após contrair o vírus, como analisado aqui no GrisLab. No entanto, seguiu defendendo ferrenhamente a cloroquina, a despeito do que orienta a OMS e da falta de comprovação científica da eficácia e segurança do remédio.

Os casos são variados, mas não aleatórios. Percebe-se, nesses comentários infelizes, a influência também infeliz do presidente do país.

A questão que se coloca em muitos deles, note-se bem, transcende o debate sobre imparcialidade e objetividade no jornalismo. Um jornalismo mais opinativo não é problema, a princípio, mas não dispensa ética e responsabilidade, dado o impacto das informações e opiniões no público, sobretudo em um período de crise sanitária. Tão fundamentais quanto, nesse e a qualquer tempo, são a informação de qualidade e a liberdade de imprensa.

Evelly Lopes, graduanda em Publicidade e Propaganda na UFMG. Bolsista de Iniciação Científica do GrisLab
Samuel Silveira, bacharel em Comunicação Social pela UFMG. Apoio Técnico do GrisLab



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