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Precisamos falar sobre gratidão pela demissão

Os inúmeros cortes nas startups brasileiras foi um dos assuntos mais comentados das últimas semanas no Linkedin. E o que chama atenção é o sentimento de gratidão que inundou os textos dos demitidos.

Imagem: Morvanic Lee / Unsplash

A pandemia do novo coronavírus vem instaurando novas formas de ser nos mais diversos âmbitos. A instabilidade é o novo modus operandi da saúde pública, dos nossos sentimentos, das perspectivas acerca do futuro, da economia e, até mesmo, de um segmento acostumado a crescer, mesmo em tempos difíceis, as startups. As quase 13 mil startups que existem atualmente no Brasil estão enfrentando o que alguns especialistas chamam de primeira crise do setor. Com a demanda por serviços como academias, eventos e viagens praticamente zerada e sem perspectiva de retomada,  empresas desses e de outros segmentos começaram a fazer demissões em massa. Ainda no início de abril, com menos de trinta dias de adoção das medidas de isolamento social, quase mil pessoas já haviam sido demitidas de startups espalhadas pelo Brasil. E esse número vem aumentando bastante dia após dia.

O que normalmente seria um momento marcado por sentimentos como angústia, desespero e, até mesmo raiva, por parte dos demitidos, foi substituído por inúmeras mensagens de gratidão no Linkedin. E essa troca parece apontar para um futuro perigoso para as relações entre patrão e empregado, que as próprias startups insistem em tentar desconstruir.

Somos ensinados desde muito cedo, de forma direta ou não, que nas relações profissionais é preciso “sair pela porta da frente”. E é isso que grande parte dos trabalhadores vem fazendo há bastante tempo. Com a consciência de que o lado fraco é sempre o que tem mais a perder, funcionários engolem diariamente tudo que gostariam de dizer ao chefe na hora da demissão e o que sai da boca é um “obrigado por tudo”, conveniente para quem diz e para quem escuta.

Acontece que essa história de “sair pela porta da frente” somada ao modo, no mínimo peculiar, de funcionamento das startups, parece ter chegado a um ponto crítico: estamos saindo pela porta da frente, tomando todos os cuidados possíveis e impossíveis para que essa porta não bata e, ao mesmo tempo, panfletando no portão para que os outros saibam que você fez parte do incrível mundo que existe atrás daquela porta.

A princípio, trocar a raiva e o desespero por um sentimento tão nobre como a  gratidão parece uma ótima forma de lidar com o momento da demissão. Mas será que é realmente saudável abrir mão do próprio direito de viver plenamente a angústia em uma situação em que é tão normal se sentir assim em troca da remota possibilidade de um futuro emprego com cerveja liberada e piscina de bolinhas?

Barbara Lima, Mestranda em Comunicação Social pela UFMG e pesquisadora do Gris



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