Quem de nós nunca proferiu a frase “eu quero morrer”? O impulso de deixar para trás a existência e sumir do mundo perpassa alguns momentos da vida. O suicídio, aqui, é apenas uma expressão de desabafo. Já para o copiloto Andreas Lubitz, diagnosticado com distúrbios psíquicos, a morte voluntária foi uma válvula de escape real e tentadora. O copiloto fazia parte dos mais de 400 milhões de afetados em todo o planeta por problemas mentais ou comportamentais, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Somente no Brasil, 12% da população estão nessa condição, dos quais cinco milhões sofrem com transtornos graves e persistentes. Essas pessoas vivem na invisibilidade e, muitas vezes, carecem de esclarecimento e tratamento.
A mídia confirma e corrobora o tabu nascido há centenas de anos. O catolicismo historicamente tratou o suicídio como um pecado grave. Afinal, Judas é o único homem que se sabe seguramente no inferno, conforme a narrativa da Igreja, por ter se enforcado. Na Idade Média, a mutilação do corpo do suicida era permitida, além da confiscação de seus bens, a proibição de uma sepultura em cemitérios sagrados e a recusa de preces em seu nome. Na França, o ato foi tido como crime até depois da Revolução. Apesar de não haver mais criminalização, a forma de ver a saúde mental ainda hoje é envolta de um negativismo associado à loucura ou à possessão. Certos da ideia de contágio, os meios de comunicação no Brasil seguem a política de não noticiar essas mortes. A invisibilidade impede o debate, mais que urgente na sociedade brasileira, em que os suicídios por depressão cresceram 705% em 16 anos, segundo um levantamento do jornal Estadão.
Mas o suicídio do copiloto da Germanwings se enquadrava em um tipo que não pode ser ignorado pelos produtores de notícia. Ele atirou um avião nos Alpes Franceses, matando outras 150 pessoas. As caixas-pretas da aeronave confirmaram que Lubitz trancou o piloto fora da cabine para pôr seu plano em ação. A cobertura do caso se empenhou em traçar um perfil detalhado do homem que cometeu um suicídio-homicídio. Após o governo da França descartar o envolvimento com terrorismo, os jornais noticiaram toda a vida do alemão, que escondeu o diagnóstico de uma condição psicótica e de uma depressão profunda para continuar na profissão. A mídia perdeu a oportunidade de manter em pauta a discussão sobre a saúde mental e o sofrimento psíquico, suscitada por outro acontecimento recente – o suicídio do comediante Robin Williams, que se enforcou em 2014. Ao invés disso, perfilou um homem desviado, que pensou milimetricamente em cada passo para uma morte coletiva.
Os problemas psíquicos, a depressão e o suicídio foram pouco tematizados enquanto a segurança em voos foi discutida exaustivamente. É preciso que os portadores de tais distúrbios sejam identificados e licenciados do trabalho para tratamento. Mas o que acontece depois? Os meios de comunicação não suscitaram esse debate. A maioria das matérias defendeu simplesmente que o doente mental deve ser afastado de suas atividades, o que reflete e confirma sua marginalização social vigente.
Se tais problemas – aparentemente do âmbito privado, mas que, como vimos, afetam outras pessoas e têm, portanto, uma dimensão pública -, não forem visibilizados e discutidos, perderemos a oportunidade de evitar fatos como estes: o copiloto atirando o avião na montanha, um ator de Hollywood se enforcando ou o filho de um cineasta obedecendo a vozes para matar o pai. Sem contar os milhares de anônimos que cometem crimes ou suicídios devido à falta de conhecimento e tratamento de sua doença. A sociedade, cada vez mais individualista, se torna insensível e não consegue enxergar nem eles nem seus sofrimentos.
Juliana Ferreira
Mestranda em Comunicação Social da UFMG
Integrante do GRIS
Foto avião: Reprodução/BBC
Foto copiloto: Reprodução/Facebook
Image caption ¿Qué deberían tener en cuenta los hombres antes de comprar y probar la Viagra? La disfunción eréctil, también conocida como impotencia sexual, es la incapacidad y dificultad para tener mantener una erección del pene que permita tener contacto íntimo.
Boa análise. Mesmo que de forma ainda tímida, esses acontecimentos têm suscitado alguma problematização desses sofrimentos humanos que deixam de ser do âmbito apenas privado, das pessoas que os padecem, para ganhar uma dimensão pública, pelas consequências que têm sobre uma coletividade. E os desdobramentos deste acontecimento, que continua repercutindo, parecem revelar que muitas pessoas são sensíveis e solidárias, sim, aos que padecem de algum sofrimento psíquico. Basta olhar o caso relatado no link abaixo, sobre a demissão de um jornalista após comentários feitos a respeito de quem sofre com depressão.
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/comentarista-de-tv-que-chamou-depressivos-de-covardes-e-demitido/
Como você bem colocou a inércia midiática quando o assunto é depressão (e outros disturbios relacionados) é preocupante. Certamente data de preconceitos antigos que são alimentados cotidianamente. Já vivi a perda de uma amiga com depressão e é triste ver como pra muitos a depressão sequer é vista como doença. Ela me contava das varias vezes em que as pessoas mandavam ela “parar de frescura que tristeza tem cura”. Acho esse um dos casos mais emblemáticos de como sociedade e mídia se relacionam. Se fosse um assunto de maior cobertura midiatica, o preconceito diminuiria? A visibilidade sobre esses distúrbios melhoraria? Ou a mídia não cobre com tanta ênfase por medo da repercussão popular, de ferir o senso comum?
Pensando em outros preconceitos que vivenciamos diariamente, a visibilidade midiatica sempre parece vir como uma faca de muitos gumes – vide outros casos relatados aqui, como o beijo do casal lésbico na novela .
A imprensa precisa falar sobre depressão e da sua dimensão pública, mas como?