Análise | Celebridades e Figuras Públicas Diário da Quarentena

“A vida é mara”, porém, “f*da-se a vida”: a máscara de Pugliesi em tempos de coronavírus

Logo depois de Gabriela Pugliesi ter sido diagnosticada com a Covid-19 (um dos primeiros casos confirmados no Brasil), foi acusada de romantizar a gravidade do vírus enquanto publicizava seu isolamento domiciliar. Dias depois, mesmo com o quadro da pandemia mais explícito e intenso, a celebridade resolveu furar a quarentena com uma “festinha,” que causou uma reviravolta em sua trajetória de fama.

Pugliesi e suas amigas na festa que realizou em casa. Foto: reprodução / Instagram

Além de aglomerar amigos em uma festa sem nenhum tipo de proteção, Gabriela Pugliesi publicou stories gritando “f*da-se a vida” e causou revolta em muitas pessoas, que começaram a criticar a atitude nada empática da celebridade diante da situação social. Ela apagou os vídeos e pediu desculpas, mas não adiantou: perdeu mais de 150 mil seguidores em menos de dois dias e teve 11 contratos publicitários cancelados ou suspensos. O prejuízo foi tão grande que ela resolveu tirar o perfil do Instagram do ar, mas deixou em aberto algumas reflexões importantes que se sucedem diante do caso.

A primeira delas é com relação aos valores que são transmitidos e negociados com o público na dinâmica dos influenciadores digitais. No caso de Pugliesi, muitas pessoas ficaram espantadas com a perspectiva egoísta e irresponsável que ficou nítida no último acontecimento, sem perceber que, na verdade, a empatia nunca foi um valor compartilhado no perfil da celebridade. Afinal, há oito anos, Pugliesi faz questão de mostrar a rotina dela, o corpo dela, a casa dela e os inúmeros privilégios que são dela. Quando diz que “a vida é mara”, claramente se refere à própria vida, e não a do outro. O discurso do otimismo torna-se mais sedutor quando é performado através de viagens de luxo, corpos sarados e alimentação saudável. Entretanto, as práticas são todas individuais; a positividade com relação à vida não diz sobre uma visão coletiva. Nesse sentido, se é a publicização dessa vida (que só reflete a ela mesma) o que torna Pugliesi famosa, há um compartilhamento de valores com o público que também são extremamente individualistas.

As marcas que atuam nessa relação contribuem com o caráter egocêntrico da performance midiática, na medida em que se vinculam aos discursos, reforçando-os. No caso de Pugliesi, nota-se que um movimento contrário aconteceu: as marcas rapidamente tentaram se desconectar de um conjunto de práticas subitamente reprovadas, com o objetivo de afirmar um valor que, agora, parece ser importante para os seguidores: o da empatia e solidariedade.

O papel do público é colocado em evidência na dinâmica desses acontecimentos; tanto com relação ao poder que tem em mãos (de conduzir diretamente o posicionamento de uma marca, ou de “cancelar” uma celebridade), quanto no que diz respeito à responsabilidade de eleger figuras que servirão como modelos influenciadores da sociedade. Quando os valores compartilhados se sobressaem às práticas da performance, a compreensão sobre a superficialidade do discurso parece ficar mais evidente. Mais do que um alerta, o caso de Pugliesi talvez sirva para mostrar a possibilidade de novos caminhos.

Fernanda Medeiros, doutoranda em Comunicação pelo PPG-COM/UFMG



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