Análise | Acontecimentos outros Diário da Quarentena

O que você faria se só te restasse um dia?

O capitalismo nunca teve uma prova maior do quão bem-sucedido é como neste momento de pandemia e crise sanitária. Milhares de pessoas morrendo todos os dias no mundo inteiro e o que continuamos a fazer arduamente? Trabalhar. A morte entrou para o nosso dia a dia. Está logo ali. E se só nos restasse um dia, trabalharíamos como nunca antes na nossa história.

Todos os dias acordamos e contamos quantos mortos já foram registrados. Os dias não se passam mais como segunda, terça, quarta ou quinta-feira. E sim como o dia em que o número de vítimas superou o anterior, atingiu a marca de mais de mil pessoas/dia, colocou o Brasil como o segundo país com o maior número de casos de Covid-19 no mundo.

A pandemia avança exponencialmente e a previsão é que, na verdade, nada pode ser previsto. Não sabemos até quando ou até quantas vítimas chegaremos. Vivemos a iminência da morte, dia após dia. Não que antes a morte não fosse presente nas nossas vidas. Mas agora, parece que ela está mais próxima. Pensamentos como: será que vou ver novamente meus pais e avós? Será que vou reencontrar meus amigos? Será que poderei abraçar as pessoas novamente? Será que voltarei ao trabalho? Nos roubam o sono e enchem a nossa cabeça.

E o que estamos fazendo além de viver essa iminência da morte? Trabalhando. Nunca se falou tanto em homeoffice, produtividade etc. É neste momento que nos damos conta do quanto a narrativa do capitalismo é eficiente em nossa sociedade. O mundo mergulhado em uma pandemia, a morte logo ali todos os dias, e as pessoas trabalhando sem parar… Sábado, Domingo e feriados. Os escritórios fechados, mas a carga de trabalho e as demandas aumentaram e muito. Rapidamente as empresas se organizaram e criaram ferramentas e mecanismos para continuar com o tão valorizado trabalho. Nunca antes tivemos um momento em que a lógica capitalista se mostrasse tão bem-sucedida. É como se trabalhássemos incansavelmente esperando a morte chegar. Mas será que não é assim que vivíamos mesmo antes da pandemia.

Parafraseando a música “O Último Dia” de Paulinho Moska: “Meu amor o que você faria se só te restasse um dia? (…) Ia manter sua agenda de almoço, hora, apatia. Se o mundo fosse acabar, me diz o que você faria. Corria para um shopping center ou para uma academia? (…) Andava pelado na chuva. Corria no meio da rua. Entrava de roupa no mar. Meu amor, o que você faria?”. A resposta não se parece em nada com as histórias dos filmes ou livros. Não há ficção que nos salve dessa realidade hoje. Vamos trabalhar, trabalhar e trabalhar.

Maíra Lobato, mestra em Comunicação Social pela UFMG



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