Análise | Diário da Quarentena

Rotinas afetadas pela pandemia e pelas incertezas

O medo, as incertezas e o impacto da pandemia em diferentes cidades brasileiras afetaram o cotidiano de todos. Seja pelo isolamento (ou pela falta dele), pela restrição de serviços ou pela limitação da liberdade de ir e vir, não há vida que não tenha sido mudada pela pandemia e nem todas as mudanças são tranquilizadoras.

Praça Sete de Setembro, em BH, no domingo (22/03). Foto: Maria Cláudia Bonutti/TV Globo.

Não apenas a quantidade de vítimas e a velocidade de contágio da doença Covid-19 separam diversas cidades, estados e regiões brasileiras. O modo de vida foi inegavelmente afetado pela recomendação de isolamento e por problemas que se aproximam e se distanciam conforme o lugar em que vivemos.

Embora várias cidades brasileiras, sobretudo capitais, estejam praticamente “paradas” nesta semana, essa desaceleração demorou muito para acontecer de maneira geral. Observamos que muitos estados esperaram que casos fossem confirmados, o que leva tempo entre exames e contraprova, para tomar alguma atitude; enquanto isso pessoas se deslocaram e o coronavírus se alastrou. A interrupção de atividades turísticas e comerciais foi decretada e a “vida social foi suspensa”, mas, na prática, isso varia de lugar para lugar.

Enquanto Belo Horizonte-MG passou o último fim de semana como se fosse uma “cidade fantasma”, justamente por ter seus botecos e restaurantes com alvarás suspensos desde 20/03, em outros lados do Brasil é possível ver pessoas com crianças se alimentando em estabelecimentos como se nada estivesse acontecendo, como em Petrolina-PE, ou uma hamburgueria que, mesmo diante de críticas de clientes no Instagram, optou por “funcionar normalmente” em Cuiabá-MT. Assim como ela, muitos outros estabelecimentos em várias cidades, inclusive em capitais, ainda acreditam que distanciar mesas, não superlotar a casa e distribuir álcool gel é suficiente para conter a propagação da pandemia. O coronavírus é também subestimado por uma parcela considerável da população brasileira em que empresários e patrões, apesar de não lidarem com serviços essenciais, não deixam que seus funcionários se isolem, além de muitos idosos (mais vulneráveis à doença) que se recusam a ficar confinados em casa.

Precisamos lembrar: assim como nem toda região do Brasil tem fácil acesso a álcool gel e até mesmo a água potável, muito mais cidades não possuem serviços com sistema de delivery, o que obriga muita gente a se deslocar para fazer compras, ir à farmácia. Ao mesmo tempo, é possível ver pequenos grupos de agricultores se organizando e se adaptando à distribuição para quem está isolado, diante da necessidade de sobrevivência e de campanhas para valorizar pequenos negócios locais.

Mas talvez nada aproxime tanto cenários de Brasis tão diferentes quanto o clima de incerteza em que vivemos. Além das incertezas sobre o impacto real da pandemia no contexto nacional, sobre até que ponto nosso sistema de saúde consegue seguir sem colapso, a instabilidade é uma marca dos dias que vivemos.

A incerteza se dá inicialmente com decretos e definições relativizadas, como a decisão da Justiça de negar o pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro para proibir cultos religiosos presenciais, diante do aumento avassalador de infectados, e a decisão judicial que obrigou a Prefeitura de Cuiabá a manter pelo menos 30% do transporte público em funcionamento, após o prefeito anunciar a suspensão de todo o transporte municipal para estimular o isolamento domiciliar. Afinal, vai ter culto na igreja? Vai ter transporte para ir ao trabalho? Há a incerteza política, com o pedido de impeachment do atual presidente, ao som de panelaços frequentes. Haverá presidente amanhã? Há presidente, de fato, agora? Há ainda outra incerteza que provoca ansiedade em todos os brasileiros: haverá salário e condições de sobrevivência no meio da pandemia?

Temos um contexto em que servidores públicos são atacados, convocados a terem seus salários reduzidos e a serem produtivos em seu home office. Um empresário importante diz que temos que produzir e trabalhar, porque o Brasil não pode parar “por cinco ou sete mil mortes”, enquanto o governo tentou legitimar a suspensão dos contratos de trabalho e salários até por quatro meses. Os profissionais autônomos estão desesperados sem poder trabalhar e com a promessa de apenas R$200 mensais para pagar suas contas durante o isolamento. Afinal, alguém avisou ao governo que estamos em uma pandemia?

Medo do desabastecimento das cidades, de adoecer, de não sobreviver, de não ter o que comer. Não há rotina que fique intacta, não há adaptação de modo de vida que não sinta o impacto disso. Há desafios demais para vencer e o relógio está correndo.

Tamires Coêlho, Professora do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFMT, Doutora em Comunicação pela UFMG



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