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Sofrimento mental: o efeito colateral da pandemia

Tristeza, medo, inquietação. A pandemia e o isolamento têm causado danos emocionais em grande parte da população. A boa notícia é que proliferam iniciativas com o intuito de amenizar a dor do outro. No entanto, é preciso refletir sobre uma possível patologização desse efeito colateral da Covid-19.

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Insegurança, medo, letargia, irritabilidade. A pandemia de coronavírus é uma ameaça não apenas à saúde física e à vida, mas também ao bem-estar psíquico. De acordo com um estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, os sintomas de depressão duplicaram em apenas um mês de quarentena; já os sinais ligados à ansiedade e ao estresse aumentaram 80%. Um levantamento australiano concluiu que o Brasil apresenta um quadro de estresse mais alarmante do que o da China. A Organização Mundial da Saúde classificou como “extremamente preocupante” o impacto do Covid-19 na saúde mental do planeta.

Frente à demanda crescente, esforços coletivos emergem para tentar amenizar tanto sofrimento. As iniciativas são múltiplas e vão desde o atendimento gratuito oferecido por psiquiatras e psicólogos, mobilização de coletivos e startups, realização de palestras e lives até ações governamentais de auxílio aos enlutados. Em comum, todas elas oferecem suporte terapêutico gratuito (ou com preço acessível) e realizado à distância: por telefone, WhatsApp, plataformas de comunicação por vídeo e redes sociais.

Tais ações são perfeitamente válidas e dão a ver um reconfortante senso de coletividade que se manifesta nesse momento tão duro. No entanto, é preciso ter cuidado para não confundir doença com sentimentos naturais que surgem mediante um quadro de incertezas. Não há nada de anormal em ficar triste, com medo ou irritado frente à pandemia — desde que esses indicadores não causem mudanças substanciais na nossa rotina, relações ou produtividade. Para aliviar o desconforto, especialistas recomendam manter o contato (mesmo à distância) com amigos e familiares, se engajar em atividades prazerosas em casa e filtrar a quantidade de informação recebida diariamente.

A clareza ao diagnosticar se alguém está ou não com alguma doença mental é ainda mais urgente se levarmos em conta o fato do Brasil ser um dos maiores consumidores de psicotrópicos do mundo. A hipermedicalização acaba sendo a saída mais fácil para um país que não encara a saúde emocional com seriedade. Cuidados psíquicos e psicológicos nunca estiveram na lista de prioridade da rede pública de saúde. Ao mesmo tempo, em nosso repertório cultural, sobrevivem preconceitos e visões simplistas de que o sofrimento mental não passa de mera “frescura”.

Nossa torcida é para que a pandemia deixe como “legado” uma maior atenção às psicopatologias. Que o nosso sistema de saúde inclua, no ato de cuidar do outro, o respeito e a consideração às manifestações de sofrimento emocional. Que possamos aprender a ler nossas emoções, a encarar os dilemas próprios da experiência humana e a saber quando procurar ajuda. E, finalmente, que as psicopatologias possam ser despidas de todo e qualquer preconceito que ainda reste em nossas configurações sociais.

Raquel Dornelas, doutoranda em Comunicação pela UERJ, com financiamento Capes. Mestre em Comunicação Social pela UFMG



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